quinta-feira, setembro 12, 2013

Segredos do Quotidiano

Dei por mim a procurar ontem à noite o relógio de bronze (horroroso) que nos tinham dado no casamento e que estava por cima da consola que tenho à entrada da casa. Nunca o tirei de lá porque foi a minha mulher que assim o expôs inicialmente e sempre me pareceu pouco simpático aproveitar a ausência forçada dela para mexer no assunto. No assunto e no relógio.

O facto de não o ver acabou por se explicar : a “santa” tinha-se servido da monstruosidade para apoio das receitas médicas , dos relatórios das análises e de outros exames que fizera recentemente.

Por cima disto tudo tinha também empoleirado (no pescoço de um dos cavalos decorativos do dito relógio) um calendário, pequeno está claro, daqueles que têm uma foto em cada mês. No mês de Setembro um sorridente saguim (ou da família) olhava para todos nós do alto do seu improvisado poleiro.

Não sei, nem vou perguntar, se foi alguma inimizade antiga com a falecida nora que a moveu a assim tapar o relógio. Ou talvez o seu sentido estético se estivesse finalmente a apurar com a idade e a galopante degenerescência das faculdades…

Lembrei-me desta cena de ontem porque os nossos vendedores de jornais e revistas do quiosque da Versailles – ela e ele benfiquistas militantes e doentios -  nem sempre tinham bem à vista todos os jornais desportivos do dia.  A “Bola” e o “Record” eram evidentes (mais a Bola do que o outro), mas o “Jogo” só aparecia bem à vista de todos quando a notícia de 1ª página não molestava o “glorioso”, como aconteceu ontem com o artigo que punha em causa a saúde do sérvio-maravilha Markovic…

Nesta censura prévia à liberdade de expressão e de consulta podia ler-se alguma semelhança com a atitude da “santa” cá de baixo. Mas não acredito...

Terão sido motivos puramente práticos que motivaram o desmando feito pela idosa (ainda me lixo se o chibo primo lê isto) .

A cabeça já não era como dantes, a necessidade de ter os exames médicos, as receitas e a data das próximas consultas  à mão, era superior  à descrença quanto à  capacidade decorativa do artefacto…

Esta capacidade decorativa, como referi de início, era semelhante à de um alguidar de plástico, com a agravante que enquanto o alguidar pode ainda ter  alguma utilidade, o famigerado relógio já nem sequer dá as horas.  Só serviria para lastro (pesa que se farta) ou para enfiar nos c*** de algum transeunte que me chateie, arremessando-o da varanda.



 

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