Para se compreender o povo aqui de cima tem primeiro que se entender a forma como, ainda hoje, pais , tios e avós vivem para a terra.
Mesmo que dela já nada ou quase nada retirem, mesmo se o que lhes entra aos bolsos seja fruto de outras vidas e de outras reformas, o simples facto de ali viverem, paredes meias com as courelas que eram dos seus antepassados, já é suficiente para que se sintam ( e sejam) camponeses no sentido etimológico do termo.
Há histórias de velhinhas com vida feita na Argentina e que aqui vêm antes de morrer para comprar uns metros de chão. Para mais tarde , quando se apresentarem ao último barqueiro, não haver confusão em relação à sua proveniência.
Terra que nos tempos maus de grande miséria foi o sustento das famílias, e que hoje, sinal dos tempos, começa outra vez a ser olhada para além da reverência, como meio de subsistência.
Em alturas de seca como a que atravessamos mais se nota nas conversas a preocupação. Sem água vai ser difícil semear as batatas e as cebolas, alimentar as galinhas com o milho que se deve plantar, ter uns feijões e uma horta vistosa por alturas de Novembro.
Por estes motivos é normal muitas das conversas que temos roçarem a nostalgia dos “bons tempos” de antigamente.
Alface (aqui chamam-na simplesmente “salada”) apenas havia durante o Verão. Era um luxo comê-la fora de época e mesmo assim desdiziam dela: “ é das estufas..Não sabe a nada”.
O mesmo do tomate redondo ali plantado à mão, bem como dos agriões. E uma coisa é certa, hoje podem ser adquiridos a qualquer hora de qualquer dia tomate e agriões, mas já não têm o sabor daqueles que se plantavam e colhiam de acordo com o ritmo das Estações do Ano.
E sem chuva não há pasto e sem giesta no pasto o leite das ovelhas ressente-se e o queijo não presta! De todas as formas não seja por isso que se deixem de fazer feiras de queijo nos hipermercados… E aqui os velhos, que foram pastores , filhos e netos de pastores, bem abanam a cabeça e inquirem “de onde virá esse leite?”
Interrogação que os consumidores lisboetas, se estivessem atentos, também deveriam fazer.
As chuvas cada vez mais ácidas vão também assinalando pela negativa a fruta das árvores encostadas às quintarolas daqui. Eram tangerineiras, nespereiras, figueiras, ameixieiras de dois tipos, maçãs bravo de esmolfe , albricoqueiros (alperces) e limoeiros que tínhamos aqui na quinta. Nunca eram tratados contra a pulga nem contra as moléstias e , no seu tempo, resplandeciam de fruta excelente .
Os melros não as largavam, e no tempo do politicamente incorreto muita arrozada de tordos, melros e pardais comemos aqui na quinta, em consequência das tardes de tiro ao alvo com a minha velha pressão de ar "Flavia", debruçados do alpendre da cozinha.
Isso acabou. Para termos alguma fruta há que curar as árvores…E em consequência disso o sabor também se ressente. E os pássaros também parece que mais desdenham dessa fruta.
Perdizes bêbedas das uvas das nossas vinhas, que o meu sogro caçava em Setembro e Outubro? Nunca mais as vi, nem comi aqui à nossa mesa. Eram às dezenas e quando se dava um tiro às vezes matava-se mais do que uma, espantando o bando das outras.
Essa “terra” meio idílica, meio real, meio fantasiosa, meio inventada, já não existe.
Para o bem e para o mal.
E se hoje os velhos se lembram daquilo que escrevi em cima, muitos também não se deixam de lembrar da falta de escolas, que não existiam médicos nem medicamentos, da falta de saneamento básico, da existência de grandes lixeiras a céu aberto, do trabalho quase escravo, do poder dos industriais dos lanifícios que podiam mandar incendiar pelos seus esbirros a lã de um Pastor se este não a vendesse ao preço que queriam, nas barbas da GNR, a quem pagavam e cumulavam de favores.
Estamos a pagar através da poluição do mundo de hoje o preço da Liberdade?
Esperem aí um bocadinho sff que esta Procissão pode ainda não ter sequer chegado ao Adro da Igreja!
Se esperarmos uns tempos mais vão ver que teremos o “bouquet” completo:
Regresso ao Passado da falta de tudo, ou de quase tudo, sobretudo em termos de Segurança Social.
E manutenção das más condições ambientais deste Presente que fizemos ou deixámos que fizessem…
Mas que grande Taluda!
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