É inevitável. Daqui a pouco batem as doze badaladas que indicam o caminho ao Ano Novo. Ano terrível , ano quase fúnebre...(Leiam sff o excelente artigo do meu colega do ISCTE, Pacheco Pereira, na Revista Sábado de ontem, antecipando aquilo que nos espera).
Haja entretanto esperança e fé em que as coisas podem melhorar e, mesmo más, mázinhas de torcer a orelha, pode ser que encontremos forma de as tornar "comestíveis"...
O velho Antero, íntegro e sério Pensador, parece que adivinhava onde iríamos parar na altura em que escreveu esta maravilha sombria:
O Palácio da Ventura
Sonho que sou um cavaleiro andante.
Por desertos, por sóis, por noite escura,
Paladino do amor, busco anelante
O palácio encantado da Ventura!
Mas já desmaio, exausto e vacilante,
Quebrada a espada já, rota a armadura...
E eis que súbito o avisto, fulgurante
Na sua pompa e aérea formosura!
Com grandes golpes bato à porta e brado:
Eu sou o Vagabundo, o Deserdado...
Abri-vos, portas de ouro, ante meus ais!
Abrem-se as portas d'ouro com fragor...
Mas dentro encontro só, cheio de dor,
Silêncio e escuridão - e nada mais!
Antero de Quental, in "Sonetos"
Nós diríamos actualmente que "dentro (do tal Palácio) encontrávamos só, cheios de dor, auto-estradas e outro betão, nada mais..."
Mas para não dizerem que termino o ano em baixo, com um pessimismo onde não me reconheço, não vos largo sem aqui deixar Pedro Támen, e o seu grito de esperança. Afinal "nada é necessário ao pé do Mar" , onde todos nós estamos...
O Mar é Longe, mas Somos Nós o Vento
O mar é longe, mas somos nós o vento;
e a lembrança que tira, até ser ele,
é doutro e mesmo, é ar da tua boca
onde o silêncio pasce e a noite aceita.
Donde estás, que névoa me perturba
mais que não ver os olhos da manhã
com que tu mesma a vês e te convém?
Cabelos, dedos, sal e a longa pele,
onde se escondem a tua vida os dá;
e é com mãos solenes, fugitivas,
que te recolho viva e me concedo
a hora em que as ondas se confundem
e nada é necessário ao pé do mar.
Pedro Tamen, in "Daniel na Cova dos Leões"
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