Sinopse: Conto exemplar que mete 3 Compadres serranos de volta com a proibição do vinho a granel nas Tabernas, mas sobretudo com as jornadas de Alfabetização , uma das melhores “colheitas” que o Abril da Revolução lá para cima deu…
Na época de Natal de 76 ou de 77 – não me lembro bem – preparando-se em casa de meus sogros (que ainda não o eram) a Consoada, houve marcação de reunião no Povo para discutir a questão das Jornadas de Alfabetização na terra.
Meu sogro – agricultor de casa farta e bem casado com a filha de um comerciante de gado – logo se ofereceu para dar vianda aos formadores naquela época festiva do Natal. Entre ele e mais duas ou três famílias da zona se fez a divisão da “brigada” que da Lusa Atenas se deslocaria àquelas berças para cultivar os incultos Viriatos.
Compareceram na reunião – já que a mesma se realizava paredes meias com a Adega respeitável do Tio Abreu - os famosos compadres Manuel da Angélica (Taxista, o único da terra), Zé Peido Manso (Pedreiro todo o ano, no Verão Mestre de Obras para emigrantes) e Ti Correia Môco (Pastor , surdo como uma pedra) , os quais andavam desconfiados…
Tinha corrido o boato desde a Aldeia da Serra até à Arrifana que o “25 Abril” tinha proibido a venda do Vinho a granel. Esse gajo do “25 Abril” até tinha começado bem. Mas agora, como todos os ditadores, extravasava a respectiva competência e ameaçava entrar em casa dos bons cidadãos… Para já não falar do bolso, pois raro era o pequeno agricultor que não fornecia alguns garrafões ao Clube lá da terra (“clube” foi o eufemismo do tal “ Abril” para “branquear” algumas das velhas Tabernas locais).
Não havia assim tantas Tabernas em S. Martinho. De facto, para uma povoação que não teria menos de 900 almas, cheguei a contar quando lá cheguei apenas 18 tabernas. Poucas, se tivermos em atenção o consumo per capite do tinto, branco, palheto, água pé e bagaço. Cervejas , nesses tempos benditos, eram coisas mais de cafés ou clubes, casas como os “Náquesbares”, de quem o serrano antigo desconfiava, atribuindo à respectiva frequência – se calhar com alguma razão - algumas das causas da já então apregoada infertilidade nacional.
Já farto de dizer aos Compadres que aquilo do Vinho a granel vir a ser proibido não era mais do que uma aleivosia da Reacção, criada de propósito para comprometer a jovem Revolução, o recém-eleito Presidente da Junta (primo de meu sogro) não se conteve mais que não lhes dissesse: “E se não acreditam perguntem aos formadores que cá vêm dar a Alfabetização, seus tinhosos!”
Dito e feito. As Jornadas logo ali angariaram mais três alunos. E que alunos...
Isto apesar dos Compadres passarem em todo o lado como sendo letrados numa perspectiva lato sensum, isto é , pelo menos teria a 4ª classe o Taxista (quase de certeza), o Pedreiro (já não juraria) , e quanto ao Pastor, vou ali e já venho que as ovelhas não se confessam… Mas quando estavam todos juntos sabiam de facto ler e escrever.
No Salão da Paróquia amontoavam-se, na primeira noite, 7 ou 8 homens meio desconfiados a ouvir falar os “Doutores” de Coimbra. É claro que quando se soube na aldeia que os tais Formadores eram uma rapariga bem-apessoada e um homem (que ainda por cima tocava guitarra), a audiência serrana aumentou deveras nos dias seguintes, para gáudio do Presidente da Junta, que hipotecava o seu futuro político naquela acção.
A “Doutora” mostrava ao Ti Correia Môco a gravura de um pato num charco. Aos gritos, que o homem era surdo, perguntava:
- Sr. Correia um “P” e um “ A “ como se lê?
“- PA”!
“ – Muito bem Sr. Correia! E agora como se lê um “T” e um “O”?”
Resposta imediata:
“- TO”!
“Muito Bem! Junte lá agora as sílabas Sr. Correia”
E a resposta bem alta foi:
“- MA-RRE- CO”!
“ -Marreco? Oh Sr Correia…Marreco é que não…”
À estudante de Coimbra arvorada em mestra de alfabeto não lhe passava pela cabeça que para aqueles lados “pato” sempre fora “marreco”…
“Passemos a esta linda gravura com uma palavra mais simples, Sr. Correia. Como se lê esta letra “N”?
“ – É um Nê”.
“-Muito bem Sr. Correia! E esta aqui “O”?
“ – Essa é um “Ó”.
“ – Bravo Sr. Correia! Junte lá as duas letras para fazer a Palavra”
E lá veio a resposta do Pastor, pausada e bem alta:
“ - COR-DA”
E assim se passava a Alfabetização aos serões, como imaginam melhor espectáculo que ver a TV a preto e branco em casa do Padre…
A páginas tantas de uma dessas sessões, o compadre Manuel da Angélica lá arranjou coragem e virando-se para o Homem formador perguntou-lhe:
“- Com licença do Senhor Professor pergunto se sabe alguma coisa do Vinho?”
O barbudo rapaz de Coimbra, estudante universitário como a colega, não entendeu bem, mas não quis ficar como ignorante:
“ – Eu sou Finalista de Economia. Vinho é mais com os Engenheiros Agrónomos, mas pergunte lá à mesma que logo verei se sei responder”
“ - Oh Sr. Professor, dizem que vão proibir o vinho a copo…”
O rapaz-professor cada vez menos entendia para onde o queriam levar… Mas continuou:
“ – Não Senhor! Mentira! Manobra da Reacção! O vinho a copo é o futuro! Há muita gente que não tem vontade de beber mais do que um copo a cada refeição e lhe impingem à força a garrafa! O Senhor, por exemplo, quantos copos bebe ao almoço?”
O silêncio que se seguiu dava para ouvir cair um alfinete. E muito baixinho lá veio a resposta:
“ - Pão bolorento, pouco vinho e vinagrento, sardinha salgada, Cava tu Enxada!”
E assim acabou aquela aula… O Manuel da Angélica saiu em ombros, e se fosse toureiro, naquela noite teria cortado orelhas e rabo!
O Compadre Ti Correia Môco, aliviado da pressão da sabatina, também não se conteve sem dizer:
“ - Desta já me livrei. Homessa que estou todo suado como se tivesse ido daqui à Carrapichana a pé com o rebanho!”
E logo lhe chegou o responso do Pedreiro (bem alto que o outro era surdo):
“ - Descanse Compadre Correia que já passou, olhe como é refrescante o relincho de um burro quando o aliviam de toda a carga…”
“ – De um Burro? Homessa!”
Está claro que acabou tudo à estalada. Mas logo fizeram as pazes… na Taberna mais próxima.
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