Bem sei que a tradição manda que seja às Sextas Feiras, mas nos tempos que correm a tradição já não é o que era...
Depois de ter feito ontem uma feijoadazita para o almoço ( boa, embora seja elogio na boca própria) e enquanto a minha cruz (o meu senhorio) pensa e repensa se se deve levantar, depois de uma noite a celebrar o empate com o FCP, há tempo para umas estrofes. O almoço está feito. Juntem-se uns ovos escalfados ao que restou ontem da feijoada e coma-se quente, compondo por cima com uns troços de farinheira, morcela e salpicão que se guardaram.
Do grande (gigante) Nemésio um poema sobre a Ausência. Uma Ausência "luminosa" e sempre cheia das recordações de quem partiu. No fim de contas uma mentira. Ausência sim, mas apenas física, do corpo chão. Porque o espírito,esse absoluto ditador, reina nas memórias de quem não consegue deixar de se lembrar...
Teu Só Sossego aqui Contigo Ausente
Teu só sossego aqui contigo ausente
Na casa que te veste à justa de paredes,
Tenho-te em móveis, nos perfumes, na semente
Dos cuidados que deixas ao partir,
A doce estância toda povoada
Dos mínimos sinais, dos sapatos de plinto
Que te elevam, Terpsícore ou Mnemósine,
Como uma estátua fiel ao labirinto.
Aqui, androceu da flor, o cálice abre aromas,
Farmácia chamo à tua colecção de vidros
Onde, à margem de planos e de somas,
Tenho remédio para os meus alvidros.
O chá é forte e adstringente,
O leite grosso sabe à ordenha,
E até nos quadros vive gente
À espera que a dona venha.
Porque tudo nos tectos é coroa,
No chão as traînes, os passinhos salpicados
Como o vento ainda longe de Lisboa
Escolheu a gaivota do balanço
Que no cais engolfado melhor voa:
Um vácuo, enfim, que o não será — tão logo
Chegues no ar medido e a aço propulso.
Por isso um pouco de fogo
Bate sanguíneo em meu pulso,
Pois o amor de quem espera
É uma graça a vencer.
Uma casa sem hera
É como gente sem viver.
Vitorino Nemésio, in "Caderno de Caligraphia e outros Poemas a Marga"
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