quarta-feira, dezembro 31, 2008

O Trabalho não mata, mas "mói"...


O nosso vizinho Ti Zé da Justina (por alcunha “o coça p'ra dentro”, vá-se lá a saber porquê…) e já falecido – por isso é que trago estas histórias à liça – não tinha estudado senão até à 4ª classe antiga, mas sabia mais de trafulhices e de vigarices que muitos Doutores de Coimbra ou de Lisboa Administradores do BPN…

É uma personagem hoje célebre aqui na aldeia e de quem se diz que disse e fez muita coisa – e se calhar nem tudo é verdade – mas de todas as formas são assim que nascem as lendas locais…

Lembro-me ainda de falar com ele sobre a vida de outros tempos, comparando-a com estas “larguezas” que Abril não deixou de trazer – e bem - a estas terras perdidas.

Eram tempos em que o pobre não tinha outro apoio que não fosse a caridade de algum pastor ou lavrador, que lhe dava umas côdeas de pão negro a comer e para beber o que restava nas gamelas depois de espremidos os requeijões.

Nesse tempo quem tinha terras tinha que as cultivar para comer e dar de comer à família, e por isso empregava “à jorna” homens e mulheres, a quem pagava alguma coisa, pouca, mas com a obrigação de lhes dar de comer. E tal era a fome, que alguns trabalhavam só pela comida, para eles e para levar para os filhos que tinham em casa.

O trabalho era de sol a sol, nunca menos de 7 horas, e nesse período de tempo – pelo menos aqui na Beira - eram devidas pelo Patrão 3 refeições: Antes de pegarem ao trabalho, a meio da manhã e o lanche lá pelas 17.00H.

À medida que a Revolução foi acontecendo cada vez mais era difícil arranjar pessoal para trabalhar as terras, pelo que muitos destes pequenos “patrões” ou as trabalhavam eles mesmos , ou as deixavam baldias, ou então tinham de inventar artimanhas para “cativar” os trabalhadores.

A brincar, a brincar passou-se da ditadura do capital para a ditadura do proletariado camponês! Só vinha trabalhar quem era bem tratado , e a quem – para além de pagarem – dessem os “patrões” boa comida e em abundância.

Ora “um caso se deu lá para o fim dos 70’s ” que passo a contar:
O Ti Zé da Justina tinha umas leiras para amanhar e foi aos cafés ajustar gente para esse trabalho. Como não tinha tido sorte nenhuma no 1º dia – para além de ter fama de vigarista sabiam todos que a sua “patroa” não era conhecida pela generosidade das doses nem pela mão de tacho – pôs-se a pensar durante a noite e ao 2º dia irrompeu pelos mesmos cafés a dizer:
“Já encomendei uns leitões na Mealhada para o pessoal que lá queira ir trabalhar. Ficaram de mos entregar ao meio dia de Sábado. É claro que só vai quem quer…!”

Leitão assado era naquele tempo prato de casamento. Ouviram todos aquilo e não houve homem válido que não declarasse imediatamente “que podia o Ti Zé contar com ele no Sábado”.

O Sábado amanheceu, os Homens apareceram, beberam o café da manhã com grossas fatias de pão com chouriça ou queijo e começaram a trabalhar.

Lá pelas 12,00H o Ti Zé deu ordem de parar e disse alto para a Mulher:
“ – Oh Zefa, vai por favor lá abaixo ao cruzeiro para ver se já chegou a carrinha dos leitões!”

Passou-se o tempo, e o mesmo Ti Zé lá foi avisando o pessoal :
“ - Amigos, se calhar houve um atraso, o melhor é irem comendo daqui desta panela de feijão com pé de porco que o leitão há-de aparecer, se não for para o almoço virá para a merenda!”

Bateram as 5 da tarde no relógio da Igreja e nem o leitão, nem a mulher do Ti Zé apareciam. E os Homens começavam já a murmurar entre eles. O “Patrão” imediatamente os sossegou:
“ – A minha Zefa deve ter ido telefonar ao Posto para ver se aconteceu alguma coisa, mas vocemecês não hão-de ir daqui sem merendar! Ora provem lá deste bacalhau desfiado com broa de milho e , agora que já acabaram, bebam-lhe um ou dois canjirões de tinto por cima!”

Toda a gente começou a ver a desfeita e alguns protestaram em voz alta. O Ti Zé não deixou de lhes responder:
“ – Foi azar , houve engano na combinação, mas o Trabalho nunca matou ninguém senhores!”

O pior foi que alguns dos “trabalhadores” levaram a mal e logo ali lhe deram tantas arrochadas no pêlo que o Ti Zé já uivava…

E quando, muitos dias mais tarde, apareceu outra vez lá pelos cafés, já tinha uma história à espera dele:

“ Oh Zé “coça”! O trabalho matar não mata, mas há dias em que “mói” a gente não é?”

Nenhum comentário: