Michel Eyquem de Montaigne nasce em 1533, em Périgord, em pleno desenvolvimento do culto ao humanismo em França, numa altura em que o grego e o hebreu são ensinados no Collége Royal, um ano depois do grande Rabelais publicar "Pantagruel"...
Michel é muito rico, filho de um grande comerciante de vinhos de Bordéus, grande senhor da burguesia que combateu nas guerras de Itália ( regressou extasiado com o que viu) e foi eleito Maire de Bordéus mais tarde.
Michel de Montaigne é também o autor de um dos meus livros de eleição - os Ensaios - e dele chamo hoje aqui a atenção para o Capítulo XXVIII do Tomo I - edição Galimard "Folio Classique" de 1962, com prefácio de André Gide.
Esse ensaio específico é sobre a "Amizade".
A forma como Montaigne discorre sobre este tema, brilhante como sempre, prenuncia um estado de alma de um grande senhor - pelo espírito, pela erudição, pela educação, mas também pela natural inclinação.
A figura do seu amigo íntimo ,o humanista e filósofo Étienne de la Boétie , é utilizada para Montaigne exemplificar o que é de facto a Amizade e como ela não se deve nunca confundir com o "amor à moda dos gregos" entre pessoas do mesmo sexo, nem sequer com uma "relação de conveniência", mesmo que dê em casamento, ou ainda com a "inclinação passageira da paixão", forte quando se revela, mas que não aguenta a passagem dos anos.
Só o Amor se lhe compara, em profundidade e qualidade do sentimento. Mas enquanto dois amantes podem ser Amigos ( e é desejável que o sejam) dois Amigos (de qualquer sexo) não necessitam da intimidade dos corpos para sentirem a Amizade no mais alto grau.
Amizade, para o Autor, é atingir um tal estado de compreensão dos pensamentos e carácter do Amigo que torne impossível aquele tomar uma atitude que não seja sempre compreendida por este. Por vezes não será compartilhada a opinião, nem aceite algum acto praticado pelo Amigo, mas qualquer deles será sempre compreendido na sua génese, no perfeito entendimento dos motivos que terão levado o Amigo a essa tomada de posição.
Amigo não tem que se justificar perante outro Amigo. Amigo não poderá passar privações se outro Amigo tiver condições (e conhecimento do assunto) para o evitar. Amigo não tem de pedir , nem aconselhar , apenas emite uma opinião.
Amigo está sempre presente, mesmo que ausente e, quando chega a nossa casa, será sempre acolhido com a verdadeira alegria que reservamos para aqueles de quem muito gostamos.
Um Amigo, enfim, ao morrer, leva com ele muito do que nós somos...
Esta crónica um pouco lamechas tem a ver com o meu sentimento de alguma tristeza pelo que - hoje em dia - as mais das vezes passa por Amizade...
Estamos numa altura em que as privações económicas e a falência dos códigos sociais levam muitas famílias a "serrar fileiras" e a ostentarem as costas ao mundo, virando-se cada vez mais para elas próprias.
Nesta altura são as "conveniências" de cliques - Maçonaria, Opus, Partidarite, Futebóis - ou as relações de negócios, a levar a melhor sobre a tendência natural em procurar Amigos com base nas afinidades do espírito e já não tanto nas do interesse económico, político ou de outra qualquer hegemonia.
E é pena que a Amizade não floresça mais, com toda a improbabilidade, entre PS's e PSD's , entre Católicos e Muçulmanos, entre homens e mulheres, entre gestores e operários, entre citadinos urbanizados e provincianos mais isolados ( se é que ainda os há...), entre Portistas, Sportinguistas e (Ai, AI) Benfiquistas...
Mesmo que não chegue ao extremo da perfeição com que a retrata Michel de Montaigne...
"Amigo verdadeiro é quem não me chateia" diz um grande Amigo meu, com alguma razão. A Vida de todos os dias será já suficiente ocasionadora de "chatices" para, ainda por cima, termos alguém que se intitula nosso "amigo" a soprar-nos ao ouvido: "eu bem te disse!"
Bem basta ao "crente" ter de passar pelas provações que lhe couberam na rifa do destino, sejam elas a derrota do Benfica por 3 - 0 frente à Académica, na Luz!!!. Ou então o encerramento, fora do seu tempo, do velhinho "Restaurante do Porto" à Av. dos Aliados, cúmplice de tantas deslocações de trabalho à Invicta, ele que era vizinho das nossas" imperiais" instalações mesmo em frente à Edilidade Portuense...
Amigo verdadeiro, para terminar, é aquela criatura que, sem temer ventos nem marés, afronta o Poder por causa do seu Amigo, nunca fazendo contas ao resultado dessa intervenção.
Nesta "contabilidade" tonta do que é a Amizade vale-nos, sempre, o poema de Alexandre O'Neil:
Mal nos conhecemos
Inaugurámos a palavra «amigo».
«Amigo» é um sorriso
De boca em boca,
Um olhar bem limpo,
Uma casa, mesmo modesta, que se oferece,
Um coração pronto a pulsar
Na nossa mão!
«Amigo» (recordam-se, vocês aí, Escrupulosos detritos?)
«Amigo» é o contrário de inimigo!
«Amigo» é o erro corrigido,
Não o erro perseguido, explorado,
É a verdade partilhada, praticada.
«Amigo» é a solidão derrotada!
«Amigo» é uma grande tarefa,
«Amigo» é uma grande tarefa,
Um trabalho sem fim,
Um espaço útil, um tempo fértil,
«Amigo» vai ser, é já uma grande festa!
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