Os quase 600 km de viagem de ida e volta pareceram 60, tal a qualidade da conversa. Mas foi quando chegámos ao Centro Cultural da freguesia de Santa Joana que entendi porque é que existem pessoas que sabem falar com crianças e outras que infelizmente não têm esse dom.
Não sei se esta faculdade é inata ou adquirida. Mas mesmo para pessoas com "jeito" , deve dar muito trabalho passar do "jeito" à realidade de uma acção em frente a quase 200 crianças, com sucesso notável.
Quem me conhece sabe que nunca me intimidei para falar em público. Quando dava aulas na faculdade aos primeiros anos de Matemáticas Gerais cheguei a ter turmas com 180 alunos, nas aulas magnas. Mas isso parecem "pinâtes" , como diria o Jorge Jesus, comparado com uma plateia de 200 crianças entre os 6 e os 8 anos. Podem acreditar!
Por isso tenho que louvar a postura da Drª Margarida, que sentada numa cadeira e sem outro apoio que não fosse um microfone, entreve a dita plateia ( silenciosa!!) durante quase meia hora, enquanto lhes contava uma história deliciosa sobre uma folha de papel deixada na secretária de um escritor na véspera de Natal.
Porque hoje é sexta feira, e em memória desse momento que nunca mais vou esquecer, aqui deixo um poema dedicado às crianças de todas as idades. É de Ruy Belo e chama-se "Proposições sobre crianças":
A criança está completamente imersa na infância
a criança não sabe que há-de fazer da infância
a criança coincide com a infância
a criança deixa-se invadir pela infância como pelo sono
deixa cair a cabeça e voga na infância
a criança mergulha na infância como no mar
a infância é o elemento da criança como a água
é o elemento próprio do peixe
a criança não sabe que pertence à terra
a sabedoria da criança é não saber que morre
a criança morre na adolescência
Se foste criança diz-me a cor do teu país
Eu te digo que o meu era da cor do bibe
e tinha o tamanho de um pau de giz
Naquele tempo tudo acontecia pela primeira vez
Ainda hoje trago os cheiros no nariz
Senhor que a minha vida seja permitir a infância
embora nunca mais eu saiba como ela se diz
Ruy Belo, in 'Homem de Palavra[s]'
a criança coincide com a infância
a criança deixa-se invadir pela infância como pelo sono
deixa cair a cabeça e voga na infância
a criança mergulha na infância como no mar
a infância é o elemento da criança como a água
é o elemento próprio do peixe
a criança não sabe que pertence à terra
a sabedoria da criança é não saber que morre
a criança morre na adolescência
Se foste criança diz-me a cor do teu país
Eu te digo que o meu era da cor do bibe
e tinha o tamanho de um pau de giz
Naquele tempo tudo acontecia pela primeira vez
Ainda hoje trago os cheiros no nariz
Senhor que a minha vida seja permitir a infância
embora nunca mais eu saiba como ela se diz
Ruy Belo, in 'Homem de Palavra[s]'
2 comentários:
Oh, querido companheiro de viagem... obrigada!
Foi um dia muito bem passado - e tanto que conversámos.
Um grande beijinho amigo
Para mim é que foi um enorme prazer!!
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