O poeta não sabe explicar esta coincidência. Sendo agnóstico deve achar tudo isto muito curioso mas apenas isso. Uma daquelas coincidências que surgem de vez em quando...
Não sei se neste caso concreto não será para alguém mais crente no "oculto" ver aqui um daqueles buracos no "espaço-tempo" por onde é possível vislumbrar o futuro.
O que obviamente só se confirma depois do acontecimento "adivinhado" se concretizar.
Porque até essa altura nem o visionário "avant la lettre" nem o seu leitor sonhariam que estavam a ver o futuro dali a 7 anos, "plasmado" num poema.
Por mim, sempre que me deparo com estas coisas utilizo o conhecido aforismo da cultura popular espanhola, mais vulgarizado por Miguel de Unamuno:
"Yo no creo en brujas, pero que las hay, las hay".
O meu sogro para exorcisar o temor do desconhecido, e preocupado com maus olhados , crendices e feitiços, sempre dizia:
- "Pata de coelho na mala do carro, ferradura de mula atrás da porta , corno de carneiro na gaveta das peúgas".
E acrescentava que "cautelas e caldos de galinha nunca fizeram mal a ninguém".
Por acaso já morreu (como acontece a todos). Mas enquanto foi vivo acreditava piamente nestas práticas como "profilaxias da desgraça".
Nem serei eu que pensarei mal de algum dos leitores se tomar estas precauções também.
Lá vai então o poema em causa:
Lisboa perto e longe
Lisboa chora
dentro de Lisboa
Lisboa tem
palácios sentinelas.E fecham-se janelas quando voa
nas praças de Lisboa -- branca e rota
a blusa de seu povo -- essa gaivota.
palavras de joelhos tribunais.
Parada sobre o cais olhando as águas
Lisboa é triste assim cheia de mágoas.
contra as mãos desarmadas -- povo armado
de vento revoltado violas astros
-- meu povo que ninguém verá de rastos.
dentro das mãos navios prisioneiros
ai olhos marinheiros -- mar aberto
-- com Lisboa tão longe em Lisboa tão perto.
Lisboa são seis letras proibidas
seis gaivotas feridas rosa a rosa
Lisboa a desditosa desfolhada
palavra por palavra espada a espada.
mas em maio Lisboa é uma canção
onde há versos que são cravos vermelhos
Lisboa que ninguem verá de joelhos.
E há um braço que voa há uma espada.
E há uma madrugada azul e triste
Lisboa que não morre e que resiste.
Um comentário:
Datado de 4 de Junho de 1969, Manuel Alegre, então um jovem poeta exilado em Argel e com a obra censurada em Portugal, dedica este poema à (minha) cidade onde os estudantes se revoltam:
FLORES PARA COIMBRA
Que mil flores desabrochem. Que mil flores
(outras nenhumas) onde amores fenecem
que mil flores floresçam onde só dores
florescem.
Que mil flores desabrochem. Que mil espadas
(outras nenhumas não)
onde mil flores com espadas são cortadas
que mil espadas floresçam em cada mão.
Que mil espadas floresçam
onde só penas são.
Antes que amores feneçam
que mil flores desabrochem. E outras nenhumas não.
[Manuel Alegre in “O canto e as armas”]
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