terça-feira, abril 15, 2014

A pobreza no Estado Novo

 Alguns leitores  gostariam de ler o artigo que Vasco Pulido Valente escreveu no Público, dedicado à "Pobreza no Estado Novo".

Com a devida vénia e  chapelada a meu mestre VPV, aqui vai, para esclarecer quem tem  as memórias mais fracas:

"O primeiro-ministro anunciou que Portugal não voltará tão cedo, se voltar, à relativa prosperidade de 2011. Outras personagens que o apoiam e o aprovam prevêem tranquilamente o empobrecimento progressivo do país. Nenhuma delas parece ter vivido os tempos de fome e desespero que duraram muito mais de 40 anos, durante a República, Salazar e Caetano.

Com 30 anos no “25 de Abril”, não me esqueci depressa do que era a vida nessa altura. Não falo da esquálida miséria do campo, que numa região rica a uns quilómetros de Lisboa, em que as pessoas trabalhavam o dia inteiro, envelheciam depressa e morriam de qualquer maneira, sem diagnóstico e sem assistência. Como não falo da província – do Minho ao Algarve – onde o horror se tinha tornado a normalidade. Na falta de uma experiência directa, seria um impudor.

Mas não me importo de falar da classe média (de resto privilegiada) em que nasci: e posso dizer que a pobreza contaminava tudo. O que se vestia, o que se comia, o que se fazia, o que se pensava. Mais do que na gente que mandava no Estado e no cidadão comum, a tirania estava, como dizia o outro, na necessidade de poupar, na privação perpétua da frivolidade e do prazer, no mundo imóvel e sem saída, que pouco a pouco se tornava numa prisão a céu aberto. As dores de crescimento num liceu de crianças caladas, que muito manifestamente esperavam o pior e, a seguir, numa Faculdade, que se destinava a premiar os filhos de família e a submissão, não levavam a uma descoberta ou sequer a uma aprendizagem, no seu melhor levavam a uma espécie de punição que moía e predispunha à desistência e ao cansaço.

O Portugal de hoje não conseguiria nunca perceber o Portugal de 1950 ou de 1960. Agora, até se glorifica o crescimento da economia e a estabilidade financeira do regime. O primeiro-ministro com certeza nunca se deu ao trabalho de imaginar aquilo a que a pobreza haveria condenado um rapazinho de Trás-os-Montes com uma mediana boa voz. Nem lhe descreveram o deserto que foi Lisboa nessa época de chumbo, onde ir ao café ou a um cinema de “reposição” tomavam as proporções de um acontecimento. Os sinais que o país começa a voltar atrás são claros. Verdade que a civilização que entretanto se criou não vai desaparecer. Mas nada disso consola se imitações substituírem o que existia antes e acabarmos na mediocridade e na tristeza de uma simples sobrevivência sem destino."

 E Olé!!

Um comentário:

Américo Oliveira disse...

Ralph Fox, um inglês que em 1936 passou algum tempo em Portugal para investigar a rectaguarda de Franco em Lisboa, sondando os caminhos do tráfico de armas e as vias de apoio do governo português aos fascistas espanhois, escreveu as suas impressões sobre o nosso país daqueles tempos:

“Em Lisboa, as criancinhas são realmente importantes, pois é frequente que sejam elas a única fonte de sustento das suas famílias. Há óptimas leis sobre a utilização de crianças no trabalho – excelentes, de facto, mas que não abrangem as industrias onde o trabalho infantil é mais explorado, Destas, as principais são as indústrias da hotelaria e da restauração. Rapazinhos de uniforme, pálidos e cansados, são vistos a abrir e fechas as portas dos elevadores nos hotéis de Lisboa até à meia-noite, começando a trabalhar de manhã cedo”.

[Ralph Fox in Portugal Now – 1936]