sexta-feira, dezembro 06, 2013

Para Descansar a Vista

O português tem manias únicas. Algumas dificilmente explicáveis aos outros...Por exemplo, apesar de ser o povo da diáspora e dos descobrimentos, qualquer tuga que se preze começa a ter saudades de casa mesmo antes de sair da porta da dita...

Por isso mesmo não me "chateiem" por querer dedicar aos Correios  uns poemas de saudade...

Começo por Carlos Drummond de Andrade:

AUSÊNCIA
 
Por muito tempo achei que a ausência é falta.
E lastimava, ignorante, a falta.
Hoje não a lastimo.
Não há falta na ausência.
A ausência é um estar em mim.
E sinto-a, branca, tão pegada, aconchegada nos meus braços,
que rio e danço e invento exclamações alegres,
porque a ausência assimilada,
ninguém a rouba mais de mim.
 
Carlos Drummond de Andrade

E acabo com Florbela, quase , quase a fazer 120 anos que nasceu em Vila Viçosa:

Saudades

Saudades!
Sim... Talvez... e porque não?...
Se o nosso sonho foi tão alto e forte.
Que bem pensara vê-lo até à morte.
 
Deslumbrar-me de luz o coração!
Esquecer! Para quê?...
Ah! como é vão!
Que tudo isso, Amor, nos não importe.
 
Se ele deixou beleza que conforte.
Deve-nos ser sagrado como o pão!
 
Quantas vezes, Amor, já te esqueci,
Para mais doidamente me lembrar,
Mais doidamente me lembrar de ti!
 
E quem dera que fosse sempre assim:
Quanto menos quisesse recordar.
Mais a saudade andasse presa a mim!

Florbela Espanca

Um comentário:

Américo Oliveira disse...

Muitos outros poetas escreveram sobre o tema mas gostaria de lembrar este, talvez menos conhecido:


PARTINDO

Triste, por te deixar, de manhãzinha
Desci ao porto. E logo, asas ao vento,
Fomos singrando, sob um céu cinzento,
Como, num ar de chuva, uma andorinha.

Olhos na Ilha eu vi, amiga minha,
A pouco e pouco, num decrescimento,
Fugir o Lar, perder-se num momento
A montanha em que o nosso amor se aninha.

Nada pergunto; nem quero saber
Aonde vou: se voltarei sequer;
Quanto, em ventura ou lágrimas, me espera

Apenas sei, ó minha Primavera,
Que tu me ficas lagrimosa e triste.
E que sem ti a Luz já não existe.

Eugénio Tavares (1867-1930), poeta de Cabo Verde