sexta-feira, abril 19, 2013

Para Descansar a Vista

O olhar das pessoas com que me cruzo parece que perdeu algum brilho. Não ajuda esta Primavera que continua cinzenta e fria. Nem sequer o balão de oxigénio que o funcionalismo público parece que iria receber já em Julho (o subsídio de férias por inteiro) e que afinal foi "empurrado" para Novembro, numa manobra (mais uma) castradora do consumo,  levada a cabo pelo Governo, já em completo desespero de causa.

Sem talvez se lembrarem que muitos contavam já com essas massas para ajudar a pagar o IRS... Mais um tiro no pé?

Com a coligação ligada à máquina, sem se saber por onde parava o 3º do Governo (parece que estará na Colômbia) à entrada daquele Conselho de Ministros que durou mais de 14 horas, resta ao bom português fazer aquilo de que tem mais experiência ao longo destes 8 séculos e tal de vida: encolher as expectativas, apertar uns buracos ao cinto e desenrascar-se, nem que seja à custa de alguns pontapés na gramática da legalidade fiscal.

Venha de lá então um poema que nos ajude a alombar com esta carga  que, de tão pesada que é, ameaça dar cabo das bestas antes de chegarem ao destino. 

Destino esse que, já agora, conviria que nos esclarecessem qual será... Se soubessem, o que não parece ser o caso.

"Cegos que conduzem outros cegos..." 
(Evangelho segundo S. Mateus 15,1-2.10-14 )



Um Cego

Não sei qual é a face que me mira
quando miro essa face que há no espelho;
e desconheço no reflexo o velho
que o escruta, com silente e exausta ira.

Lento na sombra, com a mão exploro
meus traços invisíveis. Um lampejo
me alcança. O seu cabelo, que entrevejo,
é todo cinza ou é ainda de ouro.

Repito que perdi unicamente
a superfície vã das simples coisas.
Meu consolo é de Milton e é valente,

porém penso nas letras e nas rosas.
Penso que se pudesse ver meu rosto
saberia quem sou neste sol-posto.

Jorge Luis Borges
in La rosa profunda - 1975
(tradução de Renato Suttana)
 

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