segunda-feira, outubro 29, 2012

"Engano de Alma Ledo e Cego..."

Outros datarão os anos como entenderem. Para mim, considero que entre 1974 e 2009 passámos pelos melhores 35 anos da história de Portugal.

Não me queixo da minha infância - tinha 19 anos em 1974 - e  fui um dos priveligiados: andei num colégio de élites, entrei para a faculdade facilmente, tirei a carta de condução logo aos 18 anos...

Mas para mim, a verdadeira felicidade veio depois, quando me licenciei, quando arranjei emprego a dar aulas na faculdade 1 mês depois da licenciatura tirada, quando organizei a minha vida de adulto de forma tão fácil que até parecia "tão natural como ter nascido":  Aos 25 anos tinha casa própria (embora a pagar hipoteca) , tinha um filho, continuava a dar aulas na faculdade, tinha entrado para os CTT  e ainda trabalhava como free-lancer a fazer estudos de viabilidade financeira para os bancos...

Nesses tempos havia democracia, votávamos e vivíamos intensamente a vida pública. Mesmo com dificuldades financeiras havia esperança, pois a Europa de Willy Brandt estava connosco.

Criou-se o SNS, o acesso ao ensino liberalizou-se e democratizou-se. Defenderam-se os mais pobres, reforçou-se a Segurança Social, deu-se dignidade ao trabalho.

Os anos que vinham pareciam ser anos cada vez melhores...
Tão fundo e amplo foi o "balde" de esperança que ganhámos com o 25 de Abril que esta parecia durar para sempre... Mas não durou.

Tal como a felicidade da "linda Inês".

Alguns analistas (Vasco Pulido Valente quase sempre, e mais próximo de nós, Medina Carreira, entre outros) sempre disseram que "isto não era para durar! O país não tem estaleca para tanto!".

E que "vivíamos acima da riqueza que criávamos, e que alguém, nalguma altura, havia de nos apresentar a conta desta destemperança". 

Estamos agora no período do "Ajuste das Contas". Podem chamar-lhe "ajuste orçamental", "reforma do Estado", o que quiserem.

Para muitos portugueses - para aqueles que ainda se lembram da ideologia da juventude -  os males que sofrem mais não são do  que uma vingançazinha dos ricos e poderosos pela "boa vida" que levaram nestes 35 anos. A retribuição do grande capital pelas leviandades praticadas. "Havia liberdade a mais! Agora aguentem!"

Para outros, tudo terá a ver com a "Sorte". Este país foi feito à sombra das crendices árabes no destino e na predistinação... "É o nosso fado".


Mas todos têm medo. Como muito bem dizia hoje de manhã na TSF Victor Cotovio:

-"As crianças têm medo do medo dos Pais, os pais têm medo do futuro dos filhos, os mais velhos têm medo de morrer sem deixar para trás uma situação pelo menos igual à que tiveram. Uns estão ansiosos, os outros estão desesperados."

E eu concluo: a pior coisa que pode acontecer a um povo é instalar-se este desespero, a pouco e pouco ir-se acumulando no pensamento coletivo a ideia de que "não há solução".
Sem esperança não há força de vontade para lutar contra as adversidades. Sem justiça ninguém pode exigir esses sacrifícios de todos.

Nota: Os Lusíadas, Canto III

 Estavas linda Inês, posta em sosssego,
 De teus anos colhendo doce fruito Naquele engano da alma, ledo e cego,
 Que a Fortuna não deixa durar muito,
 Nos saudosos campos do Mondego,
 De teus fermosos olhos nunca enxuito,
 Aos montes insinando e às ervinhas
 O nome que no peito escrito tinhas.

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