Estávamos sozinhos, falámos sobre tudo o que nos veio à cabeça, até (imaginem!) sobre o assunto da dita reunião.
Estes encontros são sempre assim. A memória elefantina do Zé leva-me a "desfolhá-lo" como se fosse uma enciclopédia bem fornecida sobre todas as trivialidades que andam ao redor da gastronomia e dos seus actores.
E, como não tínhamos empenhos, nem obrigações, nem combinações (nem sequer soutiens), em relação ao local da janta, decidimos ir visitar o nosso velho amigo Sr. Emílio à sempre respeitada Adega da Tia Matilde.
Aqui o adjetivo carinhoso "velho" aplicado ao Sr. Emílio tem um significado duplamente importante: não só se trata de uma jóia de pessoa, daquelas que se não tivessem nascido teriam deixado o mundo mais pobre, como também e para todos os efeitos "legais", convém reconhecer que o Sr. Emílio já tem de facto alguma idade...91 aninhos para ser exato.
Do alto da complacência que essa idade lhe proporciona, com a sabedoria em barda e o saber fazer no seu métier que é incomparável, o Sr. Emílio não pára: recebe os Clientes na sala. Levanta as mesas, prepara o couvert, aconselha os pratos, serve os vinhos e, quase no final, chega humilde ao pé dos comensais e pergunta em tom baixo:
-"Então como foi? Acha que estivémos bem?"
Ontem começámos com pataniscas de bacalhau soberbas! Continuámos por eirozes fritas com vinagrinho, muito boas, e seguimos em frente com mioleira de borrego mexida em manteiga e ovos. Para estas entradas juvenis serviu-se (e bebeu-se) um Camarate Branco Seco, que satisfez, limpando o palato para o que havia de vir.
Pausa nº1. Discussão filosófica sobre um dos meus outros mestres, Borges (a quem Quitério não perdoa o silêncio sobre a ditadura de Vilela) e Eugénio de Andrade, sobre cuja qualidade geral concordamos ambos sem qualquer esforço.
Depois do "intervalo" viraram-se os olhos e as papilas gustativas para a garrafita de Mouchão 2006 já aberta desde que tínhamos chegado. Grande Vinho, Alicante-Bouschet no seu esplendor em terras transtaganas!
E para ficarmos de igual para igual reparem só no que se seguiu: Canja de Robalo de mar com ameijoas (deslumbrante!) . Coelho bravo à caçadora (magnífico de sapidez, molho guloso e pujante) . Canónico de apresentação e conteúdos.
Pausa nº 2. Aqui aproveitámos e dissémos mal da Fátima Moura, que me tinha dito que "talvez aparecesse para o café" mas que mais nada entoara depois dessa afirmação. Telefonámos-lhe, criticámos a opção de ter ficado em casa a preparar a viagem a Amarante (em trabalho para nós - Livro dos Sabores) e voltámos às coisas sérias.
Queijo da Beira Baixa e da Beira Alta, ambos curados no ponto certo e sem nenhum toque do abominável frio que estraga o gosto a qualquer um.
E para terminar em beleza a questão dos sólidos, um admirável Marmelo assado no forno!
Em redor de dois cálices de Lagavullin (o bem amado!) voltámos à conversa, desta vez sobre o nosso David (e como ele estimava a Tia Matilde e o Sr. Emílio!) e sobre o panorama restaurativo atual no retângulo, o qual - e não obstante algumas esquisitices, como o desdobrável saído no fds a publicitar um restaurante conhecido na Ereira - parece estar a sofrer como gente grande.
Felizmente a Adega da Tia Matilde ontem não parecia muito afetada! Embora a presença de convivas angolanos fosse muito notada e daí talvez o bom aspecto cheio que a casa tinha.
E com estas reflexões nos despedimos os dois do grande Sr. Emílio! Que a idade nunca lhe pese meu Amigo!
Nota: Daqui vai um grande abraço apertado para o Pedro do Solar! Espero que se recomponha tão breve quanto possível!
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