Quando almocei a última vez nos "Pneus" - aqui referidos ontem - estava à nossa frente um casal com um convidado. Seriam, pelo que me pareceu, pessoas dos seus quarenta anos , enquanto que o convidado parecia ter mais uma dezena deles.
A conversa era de negócios. Gente de Sintra que possuía viveiros ou estufas e que estava a tentar convencer o convidado (que devia ser comerciante, merceeiro ou dono de um mini-mercado) a comprar-lhes material. Dizia o "cabeça de casal" do viveiro:
- "Aqui basta uma dose que dá bem para os três! Não é verdade Maria?"
- "Tens razão sim senhor! E às vezes até meia dose já chega bem!"
- " Mas hoje temos aqui o Sr. Chaves! Tem de vir uma dose! O Sr. Chaves bebe vinho?"
Ouviu-se pela primeira vez o dono da mercearia:
-" Bebo um ou dois copitos às refeições."
- "Então é como eu! A Maria não bebe! Pode ser Tinto pois claro?"
-" Oh Manel, hoje também posso beber um copito. Um dia não são dias!"
- "Está bem, poupa-se na água! He, he, he! Oh Senhor (para o empregado) faça o favor de nos trazer uma dose de entrecosto e meia garrafa de Monte Velho tinto. E leve daqui o queijinho e o salpicão que são coisas que só nos fazem mal. O Sr. Chaves come pão à refeição? Nós estamos a cortar, por causa da praiazinha que aí vem..."
Embora os "Pneus" tenham fama e proveito de servir doses muito grandes, entrecosto é entrecosto e tem mais ossos que febra... E meia garrafa de tinto dará para 3 meios-copos... Enfim...
Diz o meu senhorio,que muito tem lido, (se calhar nestes 30 anos de vida já leu mais do que eu nos meus 56) que o problema nem é tanto da Crise, mas sim do feitio de certas pessoas, que toda a vida, quase que desde que nasceram , são assim "coça p'ra dentro", sovinas, mão fechada, avarentos, pão-duros e mesquinhos.
De facto já o meu Pai muitas vezes nos contava a história que presenciou num daqueles "paradouros" de beira de estrada, na antiga A1: um casal a pedir uma "água das pedras" por indisposição da senhora. A senhora bebeu talvez meia garrafa de água, e depois disse ao marido:
-" Estava mesmo a precisar disto. Estou tão mal disposta..."
-" Então não bebes mais?"
-"Não consigo. Estou mesmo mal disposta!"
-"Bebes e tornas a beber sim senhor! A água já está paga e nos tempos que correm não se pode estragar nada!"
E isto passou-se lá para os anos 70 antes da Revolução...
-"Também havia crise!" (dirão os leitores). Havia sim senhor: de valores, de conhecimentos e (o mais importante) de liberdade.
E a filosofia oficial era a da "pobreza nobre e honrada". Não necessitava o português de mais nada do que pão e vinho sobre a mesa e a tigela da sopa. As mulheres queriam-se era parvas! E mandar estudar os filhos homens para quê? A enxada não precisa que falem com ela em língua estrangeira!
Quem tinha mais do que isso, quem mandava estudar os descendentes, quem ansiava por mais valor para si e para a sua família, sobretudo em meios pequenos, de imediato que originava a desconfiança dos vizinhos :
- "De onde lhe vem? Há dinheiro macho e outro que é fêmea? Quem cabritos vende e cabras não tem..."'
Bem sei que hoje tudo é diferente. Mas não me sai da cabeça que alguns dos nossos governantes actuais terão alguma nostalgia desses tempos dos caciques das eleições, do Partido Único, do "povo manso e inculto", que tudo aceitava do Governo "porque era Pai"...
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