O meu sogro, que já lá está do outro lado, era feroz com tudo o que mexia à distância do cano da escopeta - porque chamar àquilo espingarda era ofensa - fosse perdiz, coelho , lebre ou até javali. Mas mole e cobarde em relação à criação lá de casa, à qual carinhosamente chamava "vivo".
Ir acomodar o "vivo", dar milho aos "bicos" , ver o que se passava com os "marrecos", dar água aos coelhos, e assim por diante, eram tarefas que gostava de fazer e das quais se desenrascava menos mal... Mas matar um desses animalejos para adornar a mesa em dias especiais? Isso nunca! Punha-se logo a mexer dali para fora, em direção ao clube\café lá da terra, deixando o campo livre para que a minha sogra tratasse do assunto.
Não é que ele precisasse de muitas desculpas para ir ao clube jogar uma suecada com os amigos e beber um ou dois "Cai Bem" ( se não sabem o que é um "cai bem" não são da província nem têm por lá famelga), mas nesses dias da morte anunciada de galo, galinha gorda, perú, pato ou coelho, era certo e sabido que só chegava a casa lá para o tarde, e devidamente "acompanhado".
A única exceção era a matança do porco (ou porcos) que se fazia lá para o Entrudo. Nessa altura, e ciente da sua posição de "pater familiae", o meu Sogro não arredava pé da quinta, ajudando o matador, e até dando uma mãozinha na desmancha, comendo os rojões da matança - que eu cozinhava para justificar algum "alheamento" da cerimónia em si - e bebendo o vinho da sua lavra com todos os parentes e vizinhos que por ali se juntavam nesse dia famoso.
Nunca percebi porque é que as galinhas e outros que tais eram "quase da família" e os porcos não... embora, enquanto vivessem, estes últimos eram tratados com igual enlevo: couves e alfaces, milho e batatas da horta, muito passeio a pé para não criarem tanta banha, etc...
Muito provavelmente o ritual da matança - antiquíssimo - sobrepunha-se em peso de tradição à inclinação natural do homem, que pelos vistos não era muito dada a sangria desatada lá perto de sua casa.
Mas uma coisa era certa: em chegando o animalejo à travessa, fosse ele perú assado, galinha corada no forno com alho ou coelho guisado com vinho tinto, acabavam-se as cerimónias e era vê-lo enterrar com gosto os dentes (que os tinha bons e alvares) na carcaça do "familiar"... Sem pruridos, nem espinhas...
Abençoado sentido prático do aldeão!
Nota: " Cai-Bem" - aguardente com gasosa gelada e açucar mascavado, proporções à medida do cliente, tudo mexido vigorosamente com uma colher. Como dizia o outro "é tiro e queda, nem dás por isso..."
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