Como estou ainda de castigo em Lisboa vou-me entretendo a contar algumas histórias serranas, daquelas que costumo desfolhar para os Leitores durante os dias de descanso e de ripanço à sombra do alpendre e a saborear o branco fesquinho (desde que esteja este "já feito")...
Lá na Beira Alta tínhamos um vizinho que era conhecido pelo "estraga-festas", "agoura-farnel" (deliciosa expressão esta!) ou ainda "adivinha desgraças". Se estivéssemos no país irmão do lado de lá do mar teríamos como sinónimos os nomes abrasileirados "Pé-Frio" e "Caipora".
Este vizinho não podia ser convidado para casamento, pois era certo e sabido que chovia em cima dos noivos. Se fosse a uma romaria, daquelas de Verão, com muita pinga à mistura, era também mais que esperado que haveria zaragata da grossa entre os feirantes e a autoridade. Nos jogos de futebol do clube local quase que o fechavam à chave nalgum barracão afastado do campo de jogos, para evitar o contágio da "mala pata" no desempenho da equipa. E por aí fora.
Pior do que ele só mesmo aquela outra vizinha velha de que já aqui falei e que tinha fama de ser bruxa com mau olhado involuntário: quer quisesse quer não, animal ou pessoa onde pusesse a vista estava fadado a ter algum percalço.
A diferença estava em que a desgraçada , a dita "bruxa", fugia do convívio de todos, excepto de quem a procurava para algum tratamento, enquanto que o "outro", o "agoura-farnel", era simples e sociável, sempre à procura de companhia ( a qual bazava dele assim que era possível).
O Joca Malato (nome inventado) era de facto o campeão das pequenas infelicidades que aconteciam. Pequenas porque nunca causou a morte a ninguém, nem doença, nem calamidade. A sua fama de causar má sorte tinha mais a ver com percalços de pouca monta, mas sempre a complicar a vida serrana daqueles tempos tristes, feita de muita labuta e de pouco pão.
Nunca percebi bem porque motivo, sendo a "criatura" desta forma e tendo tal fama, não o ostracizavam de vez, como faziam à "bruxa", que não tinha ordens de sair de casa a não ser à noitinha...
É verdade que à fama de azarento do Joca se encostava muita mediocridade, ignorância e "deixar-andar". E de facto era bom ter na aldeia um bode-expiatório das desgraças menores, que permitisse justificarem-se, lá em casa, quando as coisas falhavam...
"-Oh Maria que desgraça, Isto é que foi um prejuízo!"
-" O que é que se passou homem?!"
-" Lá se partiu a vasilha do azeite... Vinte litros para o chão!"
-" Mas como fizeste isso!!??"
-"Foi o Joca Malato que estava na adega a beber um copo. Logo que ele saíu fui transfegar o azeite e aconteceu-me isto!"
É claro que o "impetrante" deixava de fora do conto recitado à "patroa" que quando o Joca chegou para beber um copo já ele ia com 6 ou 7 no bucho... E que quando deitou às mãos à vasilha do azeite em vez de uma viu duas ou três ... Uma delas caíu. E com tanto azar que foi logo a verdadeira.
Esta história - tão verdadeira quanto me consente a protecção das testemunhas ainda vivas dos acontecimentos passados - faz lembrar algumas coisas da nossa presente adversidade.
Ao Sr Governo, qualquer que ele seja, deve dar um jeito tremendo poder legislar e decidir sobre as medidas impopulares à conta da Crise e da Troika.
Como seria possível - num país normal onde os Governos são eleitos - aumentarem mais de 15% os transportes públicos sem "raiva e ranger de dentes"? Como seria possível ir por duas vezes (por enquanto) ao bolso dos trabalhadores por conta de outrém e dos pensionistas, sem revolta nas ruas e largos das cidades e vilas?
Apenas porque tudo o que se faz é feito à conta do Memorando de Entendimento. Da Crise. Da necessidade de pagarmos, aqui neste mundo, os pecados do passado. Da penitência que nos foi dada pelo "Padre-Mestre" face ao nosso"mau-comportamento".
"NÓS" vivíamos acima das nossas possibilidades! Agora temos de pagar por esse erros tremendos!
O problema é saber ao certo quem são de facto estes "NÓS"... Porque depois de muito procurar já não sei ao certo se era o povo malandro que gastava à fartazana em lautos jantares de lagosta e caviar, e comprava indiscriminadamente Solares no Minho e Vivendas com piscina na Quinta do Patiño, ou se a tal "abastança obscena" se via mas era nos km de auto-estradas e de obras públicas que enchiam os bolsos apenas a alguns...
Essas obras, tanto quanto sei, não foram mandadas fazer pelo Zé. Nem pelo Manel... Nem por mim. Nem por Vocês... Mas pelos Governos PSD e PS com o beneplácito dos Bancos, que com esses financiamentos muito empocharam. E entre eles, em grande, o Banco Central Europeu.
Que raio de hipocrisia!
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