sexta-feira, julho 04, 2014

Para Descansar a Vista

Neste Verão envergonhado lembrei-me de vos dar um poema sobre a Vergonha.

A boa vergonha é importante e necessária. É uma espécie de polícia sinaleiro das nossas acções, criticando atitudes menos positivas e pensamentos mais virados do avesso,.. Acontece até que as grandes almas chegam a ter vergonha de si próprias pelos actos dos outros.

Este é o caso de hoje.

O seu autor, figura notável das letras , da cultura e da política brasileira, democrata e filólogo, é bem conhecido pela frase:

A liberdade não é um luxo dos tempos de bonança; é o maior elemento da estabilidade.

Trata-se de Benedito Rui Barbosa, o grande diplomata e escritor brasileiro, a "Águia do Congresso de Haia" (a 2ª Conferência de Paz do século passado) o qual escreveu este poema notável que aqui deixo, reflectindo que tão pouca coisa mudou desde essa Primavera de 1907...

Infelizmente!

Vergonha de ser Honesto

Sinto vergonha de mim
por ter sido educador de parte deste povo,
por ter batalhado sempre pela justiça,
por compactuar com a honestidade,
por primar pela verdade
e por ver este povo já chamado varonil
enveredar pelo caminho da desonra.

Sinto vergonha de mim
por ter feito parte de uma era
que lutou pela democracia,
pela liberdade de ser
e ter que entregar aos meus filhos,
simples e abominavelmente,
a derrota das virtudes pelos vícios,
a ausência da sensatez
no julgamento da verdade,
a negligência com a família,
célula-Mater da sociedade,
a demasiada preocupação
com o 'eu' feliz a qualquer custo,
buscando a tal 'felicidade'
em caminhos eivados de desrespeito
para com o seu próximo.

Tenho vergonha de mim
pela passividade em ouvir,
sem despejar meu verbo,
a tantas desculpas ditadas
pelo orgulho e vaidade,
a tanta falta de humildade
para reconhecer um erro cometido,
a tantos 'floreios' para justificar
actos criminosos,
a tanta relutância
em esquecer a antiga posição
de sempre 'contestar',
voltar atrás
e mudar o futuro.

Tenho vergonha de mim
pois faço parte de um povo que não reconheço,
enveredando por caminhos
que não quero percorrer...

Tenho vergonha da minha impotência,
da minha falta de garra,
das minhas desilusões
e do meu cansaço.

Não tenho para onde ir
pois amo este meu chão,
vibro ao ouvir o meu Hino

e jamais usei a minha Bandeira
para enxugar o meu suor
ou enrolar o meu corpo
na pecaminosa manifestação de nacionalidade.

Ao lado da vergonha de mim,
tenho tanta pena de ti,
povo deste mundo!

'De tanto ver triunfar as nulidades,
de tanto ver prosperar a desonra,
de tanto ver crescer a injustiça,
de tanto ver agigantarem-se os poderes
nas mãos dos maus,
o homem chega a desanimar da virtude,
A rir-se da honra,
a ter vergonha de ser honesto'.

Rui Barbosa

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