Uma tomada de posição tão veemente como a observada ontem à noite por parte do Sr. Presidente da República tem pelo menos a vantagem de separar as águas e de esclarecer as forças políticas em contenda.
Ninguém duvidaria da sua prerrogativa de nomear PPC para assumir o cargo de 1º Ministro. Era esperado. O que se estranha - e muito - foi o resto da mensagem. O conteúdo cheio de "salero" (para não lhe chamar outra coisa) com que empurrou para baixo do tapete as outras opções.
Sabemos - no subentendimento que foi possível extrair - que o Sr. PR não dará posse a um governo de maioria formado por PS, BE e CDU no caso do Governo PSD\CDS cair.
Assumiu desta forma o seu pensamento político original, aquele que faz parte da linha orientadora desde que (por "coincidência") foi fazer a rodagem do carro até à Figueira da Foz nesse já distante ano de 1985.
Se a sua convicção profunda sempre foi aquela - a de que não pode existir um governo de Portugal com a inclusão de CDU e BE - o discurso de ontem corporizou-a em factos.
Onde está a democracia no meio de tudo isto? Aguarda por melhores momentos para se manifestar. Numa expressão conhecida estará actualmente "dentro da gaveta".
A democracia vê-se assim reduzida ao papel de uma touca de banho. Retira-se da gaveta quando a "madame ducha". Coloca-se na mesma gaveta quando a "madame termina a toillete".
Os tempos continuam interessantes.
Vamos comentar a "situação" com poema do grande Alexandre O'Neill onde sublinho a mensagem: "Portugal...meu remorso, meu remorso de todos nós".
Portugal
Ó Portugal, se
fosses só três sílabas,
linda vista para o mar,
Minho verde, Algarve de cal,
jerico rapando o espinhaço da terra,
surdo e miudinho,
moinho a braços com um vento
testarudo, mas embolado e, afinal, amigo,
se fosses só o sal, o sol, o sul,
o ladino pardal,
o manso boi coloquial,
A rechinante sardinha,
a desancada varina,
o plumitivo ladrilhado de lindos adjectivos,
a muda queixa amendoada
duns olhos pestanítidos,
se fosses só a cegarrega do estio, dos estilos,
o ferrugento cão asmático das praias,
o grilo engaiolado, a grila no lábio,
o calendário na parede, o emblema na lapela,
ó Portugal, se fosses só três sílabas
de plástico, que era mais barato!
Doceiras de Amarante, barristas de Barcelos,
rendeiras de Viana, toureiros da Golegã,
não há «papo-de-anjo» que seja o meu derriço,
galo que cante a cores na minha prateleira,
alvura arrendada para o meu devaneio,
bandarilha que possa enfeitar-me o cachaço.
linda vista para o mar,
Minho verde, Algarve de cal,
jerico rapando o espinhaço da terra,
surdo e miudinho,
moinho a braços com um vento
testarudo, mas embolado e, afinal, amigo,
se fosses só o sal, o sol, o sul,
o ladino pardal,
o manso boi coloquial,
A rechinante sardinha,
a desancada varina,
o plumitivo ladrilhado de lindos adjectivos,
a muda queixa amendoada
duns olhos pestanítidos,
se fosses só a cegarrega do estio, dos estilos,
o ferrugento cão asmático das praias,
o grilo engaiolado, a grila no lábio,
o calendário na parede, o emblema na lapela,
ó Portugal, se fosses só três sílabas
de plástico, que era mais barato!
Doceiras de Amarante, barristas de Barcelos,
rendeiras de Viana, toureiros da Golegã,
não há «papo-de-anjo» que seja o meu derriço,
galo que cante a cores na minha prateleira,
alvura arrendada para o meu devaneio,
bandarilha que possa enfeitar-me o cachaço.
Portugal: questão que eu tenho comigo mesmo,
golpe até ao osso, fome sem entretém,
perdigueiro marrado e sem narizes, sem perdizes,
rocim engraxado,
feira cabisbaixa,
meu remorso,
meu remorso de todos nós...
Alexandre O'Neill, in 'Feira Cabisbaixa'
golpe até ao osso, fome sem entretém,
perdigueiro marrado e sem narizes, sem perdizes,
rocim engraxado,
feira cabisbaixa,
meu remorso,
meu remorso de todos nós...
Alexandre O'Neill, in 'Feira Cabisbaixa'
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