Muitas vezes ouvi, lá na terra, a minha santa chamar "estronços" a certas personagens de quem não gostava muito. Sempre achei que fosse um adjectivo local.
Até que se fez luz nesta fraca cabeça: "Estronço" era uma forma popular do termo "Mastronço" (Mastronço, como sinónimo de indivíduo grosseiro, mal arranjado e sujo).
Outra expressão popular, tornada célebre por Vergílio Ferreira ( A Palavra Mágica), foi o termo "Inoque", utilizado na aldeia como grande ofensa: fulano chamou-lhe tudo! Que era um grande bruto e estúpido ! E que não passava de um grande inoque!!
Mais tarde veio-se a constatar que "Inoque" era um abastardamento popular da palavra "Inóquo", a qual, a bem dizer, não prefigura grande insulto...
A redução ou apagamento de sílaba é considerada um processo fonológico do desenvolvimento, caracterizado pela eliminação de uma sílaba ou mais sílabas durante a produção de uma palavra. Não sei se foi isto que aconteceu, mas estas ideias de simplificação populares não ocorrem apenas na linguagem coloquial.
Ora leiam esta "novidade" sff:
Parece que uma reputada empresária brasileira do ramo editorial ( penso que se tratará da "Leya" lá do sítio) conseguiu uma avultada verba do Ministério da Cultura do Brasil para "simplificar Machado de Assis". Isto é, reescrever as obras do Mestre em linguagem "que todos entendessem, desde o rico que estudou na faculdade até ao pobre que apenas aprendeu a ler"... E começou logo pelo "Alienista" a obra-prima de Machado de Assis,onde este nos deleita com a história de Simão Bacamarte e do seu hospício Casa Verde.
Os termos de comparação são retirados do excelente artigo "Discípula de Paulo Freire assassina Machado de Assis", de José Maria e Silva.
Nota: Paulo Freire foi um pedagogo controverso, admirador de Mao Tse Tung e que desejava arrancar as palavras burguesas da cartilha do trabalhador, determinando a alfabetização a partir das palavras proletárias, , como “tijolo”. (Sem comentários que ainda me engasgo a rir e não acabo o Post.)
Como exemplo da estranha simplificação do "Alienista": “Uma volúpia científica alumiou os olhos de Simão Bacamarte”; ficou depois da "revisão" : “Uma curiosidade científica iluminou os olhos de Simão Bacamarte.
E ainda: “Simão Bacamarte começou por organizar um pessoal de administração; e aceitando essa ideia ao boticário Crispim Soares, aceitou-lhe também dois sobrinhos”.
E na traduçãozinha para ignorantes: “Simão Bacamarte começou organizando um pessoal de administração. Convencendo o farmacêutico Crispim Soares, aceitou-lhe também dois sobrinhos”.
Ou, por último: “Isso de estudar sempre, sempre, não é bom, vira o juízo”. Após a ação revisionista: “Isso de estudar sempre, sempre, não é bom, prejudica o juízo”.
"Conquanto" (embora) fica "enquanto"; "hebreu" passa a "judeu"; "Transeuntes" são agora "Os que por ali passavam", "pasmado" foi substituído por "espantado"...
Se a moda aqui pega, no nosso Jardim à beira mar plantado, já estou a ver os versos de Camões "adaptados" para o povo:
As Armas e os Barões assinalados
Que da Ocidental praia Lusitana
Por Mares nunca dantes navegados
Passaram ainda além da Taprobana
Em perigos e guerras esforçados
Mais do que prometia a força humana
Entre gente remota edificaram
Novo reino que tanto sublimaram
(....)
E a versão revista e melhorada:
A forte rapaziada de Chelas
Depois do trabalhinho no "28" amarelo
Tomou o cacilheiro para a Trafaria
Agarrados ao fundilho belo
Deixando para trás a bófia esbaforida
Esganados como cães de Niza
Esperam lá para a Caparica
Não de areia, mas de maravedis
Acabar de vez com a larica
Ganda Camões!
Rejuvenesceu, ou melhor "ficou mais novo"!
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