segunda-feira, julho 20, 2015

A saga dos chinelos



Normalmente, em universos racionais, quem necessita de chinelos dirige-se a uma sapataria.
Tal como vai a uma farmácia quem precisa de medicamentos, ou a uma mercearia quem quer comprar batatas e feijão encarnado. Peixe compra-se nas peixarias, carne nos talhos. Esferográficas estão nas papelarias, cuecas e peúgas nas lojas de pronto-a-vestir.

Nem sempre foi assim.

Ainda conheci na aldeia de Alvoco da Serra uma "venda" que tinha disto tudo, desde roupa interior de homem e de senhora até bacalhau ao kg. Passando pelos artigos de retrosaria, pelas sementes da batata (e da propriamente dita) e pelo vinho a garrafão. Eram as antigas lojas provincianas de "secos e molhados" numa versão ainda mais abrangente, que incluía agulhas de costura e novelos coloridos de lã da "EFANOR".

Hoje em dia podemos também concordar que as "grandes superfícies" apresentam toda esta catrefa de artigos num mesmo local, de forma conveniente para o público em geral e "assassinante" do chamado comércio tradicional ( pós-secos e molhados).

A figura da loja "especializada" passou para o universo do modelismo ou da alta fidelidade , vivemos na era do "genérico". Desde o genérico do medicamento até ao genérico do creme para a barba. E tudo se pode encontrar no mesmo local. A única diferença face às antigas "vendas" será que esses artigos estão agora em prateleiras e corredores distintos, deixando a caixa das pastilhas "Gorila" de dar o braço à dos atacadores de botas da tropa...

Mas mesmo sabendo destas misturas que o comércio de hoje permita e apoia, deve parecer estranho ir à procura de chinelos a uma loja de mobiliário rústico...

As "santas" cá de baixo informaram-me do desejo de irem comprar chinelos, e deram-me a morada:
 -"No Vassoureiro. Lá é que os encontramos!"

Saberão (ou ficam agora a saber) que o Vassoureiro era uma loja com mobílias rústicas de pinho, ali para os lados de Alcoitão.  Era, digo bem, porque quando lá cheguei vi que tinha sido convertida para um daqueles "empórios" chineses.

Nem discuto o mistério de duas anciãs de 85 anos saberem mais do que eu sobre o destino da dita loja que já foi de madeiras de pinho, e agora é de bric-á-brac asiático. O que me faz sobretudo confusão foi saberem que lá teriam chinelos...

A não ser que entendam serem as "lojas dos chineses" uma espécie de arca de noé dos não-vivos
(não são zombies malta! Das coisas inanimadas!) onde tudo o que não respira se pode encontrar. Desde as gaiolas dos canários aos tais chinelos.

Ao fim de hora e meia (bem contada por mim, minuto a minuto) a  compra não se concretizou. Os "chinelos eram de plástico".  

Mesmo desdenhando trouxeram as "santas" alguns molhos de flores (também de  plástico, vá-se lá entender), bué de pilhas para os transistores (parece que passam a noite a ouvir a radio na cama), molas para a roupa  e ainda duas ventoinhas de pôr à janela dos carros para que o vento as faça mover (nem perguntei para que queriam aquilo. Já estava para morrer com o cheiro a lavanda da dita loja).

Saímos do "Empório de Pequim" , ou lá como aquilo se chama agora e  fomos direitos ao Continente do tio Belmiro ( parece que agora passou a ser do primo Paulinho). embora eu ainda protestasse que
-"Chinelos de pele e sola de cabedal era mesmo nas sapatarias!"

Mais de uma hora depois saímos sem chinelos  mas com pão de forma integral, bolinhos secos, courgettes e bananas, mistura solúvel de cevada e dois pacotes de chá de camomila.

Já dentro do carro pediram-me para ir então aos "outros chineses,  lá em baixo ao pé do Pão de Açúcar de Cascais,  esses é que tinham tudo..."

Pôrra Compadres!! Foram vossas mercês?  Pois eu também não. Ala para casa que o almoço fica atrasado.

Agora quase que não me falam. Mas só até Sexta à noite. Chegada a proximidade do sábado é certo e sabido que me vêm chatear mais uma vez.

O Tio Santidade, lá em cima na Serra, quando se empiteirava valentemente (era dia sim, dia não)  e se esquecia de ordenhar as cabras, vinha para a rua ouvi-las berrar  e dizia em voz alta "é sina que as cabras têm , coitadinhas...já nasceram com esta sina..."

E esta também é a minha sina, sábados e domingos...

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