Ontem não pude acompanhar a Fátima e o Mário a Évora (ao nosso Fialho) porque estava com gripe (outra vez).
Hoje vim trabalhar mas tenho o nariz e a garganta como se tivessem sido passados com lima de cartão, mas não aquela que se usa para as unhas dos bébés! Da outra, de lixar madeira.
Não tenho muita paciência para andar à procura de rodriguinhos e malvasias, campos de lavanda à moda dos anúncios da Occitane e coisas parecidas. Hoje apetece-me um poema de trabalho, rijo como o granito e agreste como a rocha nua.
Para onde me virei? Exactamente para uma "rocha". Melhor dito, para um "Rocha". O Sr. Doutor Médico Adolfo Correia da Rocha, que conhecemos melhor como Miguel Torga.
O grande poeta, a Voz de Trás-os-Montes, traz-nos a poesia como expressão de alguma revolta, embora nunca de tom pessimista.
A humanidade de Torga não abdica da sua capacidade de sonhar e de buscar a felicidade terrena.
E nós também devíamos ser assim. Digo eu.
Livro de
Horas
Aqui diante
de mim,
eu, pecador, me confesso
de ser assim como sou.
Me confesso o bom e o mau
que vão ao leme da nau
nesta deriva em que vou.
Me confesso
possesso
das virtudes teologais,
que são três,
e dos pecados mortais,
que são sete,
quando a terra não repete
que são mais.
Me confesso
o dono das minhas horas
O dos facadas cegas e raivosas,
e o das ternuras lúcidas e mansas.
E de ser de qualquer modo
andanças
do mesmo todo.
Me confesso de ser charco
e luar de charco, à mistura.
De ser a corda do arco
que atira setas acima
e abaixo da minha altura.
Me confesso de ser tudo
que possa nascer em mim.
De ter raízes no chão
desta minha condição.
Me confesso de Abel e de Caim.
Me confesso de ser Homem.
De ser um anjo caído
do tal céu que Deus governa;
de ser um monstro saído
do buraco mais fundo da caverna.
Me confesso de ser eu.
Eu, tal e qual como vim
para dizer que sou eu
aqui, diante de mim!
eu, pecador, me confesso
de ser assim como sou.
Me confesso o bom e o mau
que vão ao leme da nau
nesta deriva em que vou.
Me confesso
possesso
das virtudes teologais,
que são três,
e dos pecados mortais,
que são sete,
quando a terra não repete
que são mais.
Me confesso
o dono das minhas horas
O dos facadas cegas e raivosas,
e o das ternuras lúcidas e mansas.
E de ser de qualquer modo
andanças
do mesmo todo.
Me confesso de ser charco
e luar de charco, à mistura.
De ser a corda do arco
que atira setas acima
e abaixo da minha altura.
Me confesso de ser tudo
que possa nascer em mim.
De ter raízes no chão
desta minha condição.
Me confesso de Abel e de Caim.
Me confesso de ser Homem.
De ser um anjo caído
do tal céu que Deus governa;
de ser um monstro saído
do buraco mais fundo da caverna.
Me confesso de ser eu.
Eu, tal e qual como vim
para dizer que sou eu
aqui, diante de mim!
Miguel Torga
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