quarta-feira, março 18, 2015

Ironias e Incongruências

A conversa sobre os livros e a falta de espaço e tudo aquilo que temos ao dispor mas acabamos por não utilizar - os tais 250 anos de vida que seriam necessários para ler o que nos interessa - levaram-me a recordar meu mestre Jorge Luis Borges.

O grande escritor de Buenos Aires cegou na altura em que foi nomeado Director da Biblioteca Nacional da Republica Argentina. 
E logo escreveu:
"A ironia de Deus vê-se em pequenas coisas como esta -  900 000 volumes  e um cego para os ler a todos."

Num dos seus contos -  "Biblioteca de Babel" que alguns consideram ser uma metáfora para a moderna sociedade da informação -  fala-se de uma biblioteca gigantesca onde existirão segundo Borges, para além de muitas outras coisas:  "las autobiografías de los arcángeles, la relación verídica de tu muerte...  basta con que un libro sea posible, para que exista en algún lugar de la inmensa Biblioteca."

Borges também costumava dizer que  "sempre entendera o paraíso como uma espécie de biblioteca."

No final do século XIX ainda era possível a um  cientista, douto e trabalhador, dominar uma área do conhecimento científico e ser um diletante bem informado em mais uma ou duas.

Hoje em dia  a própria noção de "área de conhecimento" especializou-se de tal forma que já não é possível haver "físicos" (por exemplo como Einstein ou Shrödinger) mas sim "físicos de qualquer coisa".

A Universidade de Munique lista 8  cursos para os estudantes interessados neste "campo":
Astronomy and astrophysics, cosmology
  • Molecular biophysics, statistical physics
  • Solid state physics, nanophysics
  • High- and medium-energy physics, mathematical physics
  • Laser physics and quantum optics
  • Meteorology
  • Medical Physics
  • Physics education

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    E em Medicina? Imaginam os "campos de estudo", as "especialidades"?  Reconhecidas oficialmente  pela ONU são 55...
     
    O problema desta especialização pode ser a perda da visão de conjunto. O historiador perito em Arqueologia Naval da Época dos Descobrimentos tem ou não  de estar ainda à vontade nos meandros da História da Expansão Ibérica? E compreender onde tudo aquilo se  enquadra  nas relações políticas europeias do século XV e XVI?
     
    O famoso "Dr. House" era um generalista especializado em diagnóstico.  Mais uma incongruência?
    Ou o reconhecimento que para diagnosticar bem tem de se saber um pouco sobre a grande maioria de todas as doenças?
     
    Mesmo sobre o carbúnculo que o aldeão médico Fernando Namora introduz aos especialistas de Lisboa, lá para os anos 60...
     
    Nota: Bibliotecário de Babel é um quadro original de Maria Helena Vieira da Silva

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