Uma das chatices do envelhecimento é começarem a doer partes do nosso corpo que antigamente nem sabíamos que existiam.
Quanto temos 20 anos o que dói é onde se bate, e mesmo assim nem sempre se nota... Doía a cabeça se com ela batessemos numa trave mais baixa. Doía a canela depois de algum pontapé mais vingativo no futebol. Doíam ( e muito) os "meninos" quando se dava o raro - mas possível - encontro entre uma bola chutada com força e essa parte mais sensível da anatomia.
Nesses dias não existia internet, ninguém ia ver o que tinha aos livros nem às revistas, o mais que se aconselhava para melhorar eram sacos de gelo e sacos de água quente (nunca percebi bem quando meter uns ou outros, mas à cautela punha o saco de água quente de manhã e o gelo de tarde, aproveitando parte para temperar o Jack Daniels).
Chegados aos quase 60 anos é mister tirar quase um curso de anatomia para indentificarmos onde dói e o que dói...
Quando nos tempos áureos do Judo bastava dizer que "lá dei outra vez cabo dos ligamentos do Joelho!" agora é necessário identificar com exactidão qual o "micro-cosmos" da maleita.
Qualquer coisa assim como:"tenho uma lesão no ligamento colateral fibular , inserido na cabeça da fíbula, aquele que protege as laterais do joelho de uma força dobrante interior".
Nota: o que, por acaso e palavra de traumatologista, é o que tenho agora. Onde é que V. queriam que eu inventasse aquele idioma?
Levantar da calma aos saltos, ontem tinha graça, mas hoje dá tonturas.
Quedas faciais eram "mato rasteiro", hoje só de pensar nisso já me começam a doer os cotovelos.
Abrir a carica das garrafas de cerveja com os dentes? Já era...
Meter sacas de batatas ao ombro como quem carrega com o Expresso aos Sábados de manhã? Tá bem tá...
E foi exactamente com uma saca de batatas que se deu a minha última humilhação. Em Baião (lembram-se?).
A Dª Otília, jovem agricultora lá da terra - não mais de 30 anos - agarrou na sacona do batatame que eu tinha acabado de comprar nas duas mãos trigueiras como se virasse um alguidar de plástico, dizendo-me:
- "Chegue-se o Senhor para o lado que ainda se suja! Isto não custa nada porque estou habituada!"
Quando cheguei ao Estoril houve que fazer o transbordo das batatas sem que a Dª Otília lá estivesse.
Conseguir , consegui, mas à custa de muita luta, que meteu uivos e grunhidos (da boca) e também vergonhosamente alguns protestos do traseiro, vários pontapés na p*** da saca que não parava quieta e algumas pragas ditas em voz baixa para não dar sinal de fraco à vizinhança.
Aquilino Ribeiro já o tinha descrito muito melhor do que eu, na sua Casa Grande de Romarigães, onde o nosso herói Luis de Azevedo, à procura de bom casamento com uma sua prima, morgada local, se viu mais ou menos enxovalhado pelos braços tremendos da dita cuja, na tarefa eminentemente rural de baldear sacos de milho para cima de uma galera ...
"Olhe que se suja!"
Dizia Silvana a seu primo e pretendente. E depois de acabada a tarefa com sucesso:
"- Sim, senhor, o primo tem nervo! Nervo duma cana! Sempre lhe
digo, não havia muitos capazes de tal áfrica!"
E tinha Silvana razão. Então e agora.
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