L'Écume des Jours será o grande romance de Boris Vian. Nele é proposta aos leitores uma espécie de inversão de valores a que a sociedade moderna atribui respeito e sensatez. Por exemplo, aconselhar que toda a decisão deve ser imediata, sem qualquer tipo de reflexão anterior.
Numa atmosfera de pântanos ou bayous, com a música de Jazz lá no fundo bem audível, pressente-se uma atmosfera pegajosa, de clima húmido e doenças estranhas a enquadrar tudo aquilo.
E "aquilo" não é mais do que um sonho a meio caminho entre o pesadelo e o sonho bom, uma obra de imaginação que - aliás - já me pareceu mais "imaginativa e irrealista" em tempos idos do que hoje em dia. Notem, sempre por exemplo, que no universo descabelado deste romance a polícia mata quem não pode pagar impostos...
Esta introdução sobre Boris Vian e a sua "L'Écume des Jours" permite-me falar da grande Manif de anteontem com algum distanciamento.
Manifestantes e Manifestados (os incumbentes do Governo e etc...) parecem evoluir num universo semelhante ao de Boris Vian, e que tem também algumas semelhanças com o capítulo "Livro das Horas Absurdas" do grande romance "Barranco de Cegos" de Redol.
A Realidade (que variará de pessoa para pessoa tal como a encaramos, hoje com otimismo, amanhã nem por isso, mas que mesmo assim tem uma matriz central comum a todos), está ausente.
Em vez dela parece que flutua em Portugal uma "espuma dos dias" onde se passeiam e executam performance uns ministros, umas troikas, o fantasma da classe média, a multidão dos descamisados (cada vez maior), alguns riquinhos , uns opressores, uns oprimidos.
Os Manifestantes vão para casa seguros do dever cumprido após a marcha , as palavras de ordem e a "Grândola". Os Manifestados , em casa a ver pela TV o avanço do Protesto, contando cabeças, esperam ansiosamente pela Segunda feira, altura em que o empate Sporting-Porto e a vitória sofrida do Benfica farão as parangonas e serão os assuntos de conversa.
O País real cada vez mais parece ser o que era em 1966. Altura onde, como alguns ainda se lembram, a política discutia-se pouco e o futebol dominava todas as conversas. E a "Bola" era o jornal mais lido e vendido (até em Paris).
Até ao dia em que se ouviram de madrugada os primeiros acordes da canção na voz de Zeca Afonso...
E tenho para mim que se chegarmos lá outra vez (quando chegarmos lá outra vez ) , a esse ponto de não "regresso", a essa barricada do desespero que nos vai encostar todos ao muro, provavelmente não será a Grândola que se vai ouvir, mas estrondos e estilhaços de montras a partir.
E tomara que haja som de Jazz em surdina...
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