segunda-feira, fevereiro 21, 2011

A Saudade dos Cheiros e dos Sabores

Ontem à noite - e já um bocado farto de ouvir o "Professor Martelo" e os seus lugares-comuns - virei a proa para a RTP2 e deliciei-me com um programa da "Fado Filmes" sobre a Arte Contemporânea Portuguesa, passado em casa do Manuel de Brito e convocando vários grandes pintores nacionais que por lá estão pendurados nas paredes do Manuel, para falarem sobre aqueles quadros e a sua vida artística: Pomar, Paula Rego, a neta da Menez , etc...

Para além da inveja ( tanta coisa boa mostrada que deixaria qualquer amante de arte salivando pelos cantos) ainda me encantei com as "estórias"  que Manuel de Brito contava à volta dos quadros e da sua aquisição.

Uma delas, que envolveu José Escada em Paris durante o seu exílio, chamo-a aqui hoje para tema deste Post.

José Escada recebeu nesse dia  dos anos 60 Manuel de Brito e um outro Amigo, do qual não se falou no programa. Estes Amigos vinham de Lisboa com a incumbência de organizarem em casa do Zé  uma ...caldeirada!  Tais eram as saudades que o pobre sentia dos sabores lusos.

Contava Manuel de Brito que o Zé passava o pão em redor do tacho rescendente e  chorava desalmadamente, queixando-se aos outros  do picante da Caldeirada, mas em boa verdade chorando  de saudades de Portugal, da sua família, das suas paisagens, dos seus gostos e sabores. E Paris , que nos parece hoje aqui tão perto, quase um jardim nas traseiras da casa, parecer-lhe-ia a ele, naquelas circunstâncias do exílio, uma Antárctica distante .

Têm destas coisas o gosto e o cheiro.... São sentidos muito evocadores das memórias profundas que trazemos dentro de nós, muitas vezes até sem que estejam disponíveis no dia-a-dia das nossas recordações  e  apenas venham à tona quando os tais sentidos as provocam.

Por exemplo, e no meu caso, não posso sentir o odor bom e os sabores aconchegantes dum "Cozido à Portuguesa"  sem que a memória me leve para perto do meu Pai e da sua presença na cozinha domingueira, nos Invernos antigos.

Também o gosto e o sabor do Cabrito a sair do forno me levam ainda para S. Martinho de Seia, e para os Almoços de festa, rodeado pela família.

"Bacalhau assado com batata a murro "  do bom, daquele de cura amarela seco em centeio, que lasca de forma contundente e mantêm as suas saborosas gelatinas naturais mesmo depois de sair do "auto-de-fé" , lembra-me sempre os Amigos Maias, e o velho Restaurante Casais do Jardim de S. Lázaro na grande Cidade Invicta.

Os orégão, poejos  e os coentros de uma simples açorda de pescada são, para mim também, sinónimos dos Fialhos de Évora e recordação feliz do Encontro de Agentes Internacionais que por lá fizémos na Cidade, em 1991, com sucesso absoluto...

E por aí fora.

Mesmo os perfumes têm destas "bagagens" consigo... O Fahrenheit de homem traz-me sempre à memória o Rio de Janeiro do início dos anos 80, onde o usei pela primeira vez , e recorda-me as peripécias dessa deslocação interessante onde, com uma colega minha,  fui  assaltado num Omnibus.
Fui eu e o autocarro inteiro, à moda do Far West, ali no Aterro do Flamengo. E com alguns milhares de Dólares da receita da semana dentro de um saco plástico, em papéis de jornais, o qual  por muita sorte e protecção da Senhora de Fátima, foi ignorado pelo bando dos "Jesse James" locais.

E o "Obsession" de Calvin Klein - hoje fora de moda na paleta do costureiro-perfumista - tem para mim tantas e tão esplendorosas memórias que durante muito tempo mantive uma amostra em casa apenas para me deleitar com essas lembranças...

Que querem? Nem só de Pão vive o Homem.

Embora eu não recomende que se alimentem apenas de cheiros, experimentem comer com o nariz tapado e verão que emagrecem....

Nota:  Quadro de José Escada "O meu Strof", 1979, acrílico s/tela, 34,5 x 43,5 cms .

Notas biográficas por cortesia de "Infopédia": Pintor português, José Jorge da Silva Escada nasceu em 1934, em Lisboa, falecendo na mesma cidade em 1980. Estudou na Escola António Arroio e obteve o diploma em Pintura na Escola de Belas-Artes de Lisboa. Em 1955, juntamente com os artistas Lurdes de Castro, René Bertholo, João Vieira e Gonçalo Duarte, constitui o Grupo KWY, ao qual se ligaram posteriormente Costa Pinheiro, Jan Voss e Christo Javacheff.

Desde as suas primeiras realizações pictóricas, José Escada desenvolveu uma estética pessoal que caracterizou a sua obra futura: a utilização da linha como contorno, com ritmo definido, combinada com a acentuação de contrastes provocados por diferentes níveis de luminosidade.

Nos anos 50, os mesmos valores são aplicados a uma pintura não figurativa, evoluindo, dez anos mais tarde, para o total informalismo que se aproxima de uma expressão caligráfica.

Em meados da década de 60, José Escada retoma o trabalho a partir da linha, gerando pequenos elementos simétricos criados a partir de colagens e dobragens de papel. É evidente a influência de Matisse e da sua valorização do processo criativo, de carácter gestual e manual. O trabalho no campo do relevo abstracto orientou José Escada para a pesquisa dos elementos decorativos tradicionais portugueses.

Nas composições dos anos 70, combina a abstracção e a figuração em quadros que reflectem uma visão do seu mundo pessoal, no qual homem e natureza se fundem

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