Uma visita , que já tardava, a Herberto Hélder, nome maior da poesia portuguesa mais recente, um dos mestres de Eugénio de Andrade e de tantos outros. Nascido em 1930 , na Ilha da Madeira e felizmente ainda vivo, embora protegendo nos últimos anos o seu anonimato a todo o custo, foi este Grande Poeta um marginal na forma de encarar a vida e de com ela se relacionar.
"Tenho de inventar a minha vida verdadeira" disse ao Expresso em 1994, provavelmente a última vez em que concedeu alguma entrevista e anuiu a ser fotografado.
Se houvesse degraus na terra...
Se houvesse degraus na terra e tivesse anéis o céu,
eu subiria os degraus e aos anéis me prenderia.
No céu podia tecer uma nuvem toda negra.
E que nevasse, e chovesse, e houvesse luz nas montanhas,
e à porta do meu amor o ouro se acumulasse.
Beijei uma boca vermelha e a minha boca tingiu-se,
levei um lenço à boca e o lenço fez-se vermelho.
Fui lavá-lo na ribeira e a água tornou-se rubra,
e a fímbria do mar, e o meio do mar,
e vermelhas se volveram as asas da águia
que desceu para beber,
e metade do sol e a lua inteira se tornaram vermelhas.
Maldito seja quem atirou uma maçã para o outro mundo.
Uma maçã, uma mantilha de ouro e uma espada de prata.
Correram os rapazes à procura da espada,
e as raparigas correram à procura da mantilha,
e correram, correram as crianças à procura da maçã.
Herberto Helder
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