sexta-feira, outubro 22, 2010

Para Descansar a Vista

Dias de incerteza, dias de amargura talvez, para quem já fez as suas contas... O português médio (caso isso exista, essa criação virtual estatística) está mais habituado a esperar pelo encontro com a realidade do que a preparar-se devidamente para ela. Espero, sinceramente, que desta vez não confie apenas na protecção divina e começe, desde já, a poupar alguma coisa para tapar os remendos de 2011....

Preparemo-nos para os dias sombrios com um poema que nos faça sonhar . Por melhores dias, melhores governantes, mais justiça social e respeito pelo Ambiente.

De Mestres O'Neil e Antero fica-nos a Inquietação . Com Manuel da Fonseca chega-nos a Redenção...

"Pelo Sonho é que vamos..."

Mesa dos Sonhos

Ao lado do homem vou crescendo

Defendo-me da morte quando dou
Meu corpo ao seu desejo violento
E lhe devoro o corpo lentamente

Mesa dos sonhos no meu corpo vivem
Todas as formas e começam
Todas as vidas

Ao lado do homem vou crescendo

E defendo-me da morte povoando
De novos sonhos a vida

Alexandre O'Neill, in 'No Reino da Dinamarca'


















No Turbilhão
(A Jaime Batalha Reis)

No meu sonho desfilam as visões,
Espectros dos meus próprios pensamentos,
Como um bando levado pelos ventos,
Arrebatado em vastos turbilhões...

N'uma espiral, de estranhas contorsões,
E d'onde saem gritos e lamentos,
Vejo-os passar, em grupos nevoentos,
Distingo-lhes, a espaços, as feições...

— Fantasmas de mim mesmo e da minha alma,
Que me fitais com formidável calma,
Levados na onda turva do escarcéu,

Quem sois vós, meus irmãos e meus algozes?
Quem sois, visões misérrimas e atrozes?
Ai de mim! ai de mim! e quem sou eu?!...

Antero de Quental, in "Sonetos"



















Noite de Sonhos Voada

Noite de sonhos voada
cingida por músculos de aço,
profunda distância rouca
da palavra estrangulada
pela boca armodaçada
noutra boca,

ondas do ondear revolto
das ondas do corpo dela
tão dominado e tão solto
tão vencedor, tão vencido
e tão rebelde ao breve espaço
consentido
nesta angústia renovada
de encerrar
fechar
esmagar
o reluzir de uma estrela
num abraço

e a ternura deslumbrada
a doce, funda alegria
noite de sonhos voada
que pelos seus olhos sorria
ao romper de madrugada:
— Ó meu amor, já é dia!...

Manuel da Fonseca, in "Poemas Dispersos"

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