quinta-feira, agosto 13, 2015

Para Descansar a Vista...à Quinta



Amanhã tenho uma reunião fora de Lisboa sobre um dos nossos próximos livros temáticos, pelo que não passarei por aqui.
Aqui vai então o habitual momento de poesia. Mas antes uma pequena reflexão.

Alguns amigos têm-me dito que estes Posts com o poemazito das Sextas Feiras são "piegas", "pegajosos" e "languinhentos".  Só falta chamarem-lhes "mariconços"... O que não se atrevem devido aos tempos que correm.

A esses amigos (com quem tenho a familiaridade suficiente para dizer o que segue) afirmo, tal como Xico Anísio aos seus detractores que o acusavam de ter um programa demasiado comercial na TV:
 - "Comercial é a Mãezinha"!

Vamos lá então ao poema, doa a quem doer (os c**** ,ou coisa pior). De meu mestre Eugénio de Andrade apresento um dos grandes poemas da nossa língua. Adeus.

Nota: Este "Adeus" podia ser profecia de muitas coisas, a começar na política e a acabar no futebol... Mas  é de facto um magnífico poema de amor.

Adeus
Já gastámos as palavras pela rua, meu amor,
e o que nos ficou não chega
para afastar o frio de quatro paredes.
Gastámos tudo menos o silêncio.
Gastámos os olhos com o sal das lágrimas,
gastámos as mãos à força de as apertarmos,
gastámos o relógio e as pedras das esquinas
em esperas inúteis.

Meto as mãos nas algibeiras e não encontro nada.
Antigamente tínhamos tanto para dar um ao outro;
era como se todas as coisas fossem minhas:
quanto mais te dava mais tinha para te dar.

Às vezes tu dizias: os teus olhos são peixes verdes.
E eu acreditava.
Acreditava,
porque ao teu lado
todas as coisas eram possíveis.

Mas isso era no tempo dos segredos,
era no tempo em que o teu corpo era um aquário,
era no tempo em que os meus olhos
eram realmente peixes verdes.
Hoje são apenas os meus olhos.
É pouco, mas é verdade,
uns olhos como todos os outros.

Já gastámos as palavras.
Quando agora digo: meu amor,
já se não passa absolutamente nada.
E no entanto, antes das palavras gastas,
tenho a certeza
que todas as coisas estremeciam
só de murmurar o teu nome
no silêncio do meu coração.

Não temos já nada para dar.
Dentro de ti
não há nada que me peça água.
O passado é inútil como um trapo.
E já te disse: as palavras estão gastas.
Adeus.

Eugénio de Andrade, in “Poesia e Prosa” 

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