O avô Correia, comerciante de gado, pastor e lavrador lá para a encosta da mais alta, veio a Lisboa conhecer a casa da neta, pouco tempo depois de nos casarmos. Seria em 1982 ou 83.
Ficou a dormir em nossa casa e em consequência da inactividade a que não estava habituado, apaixonou-se ( nos seus mais de 80 anos) pela televisão. Uma tarde chamou-me e disse:
-" Filho, aquele gajo que ali está já por cá apareceu ontem..."
-"Sim, Avô, é o locutor do telejornal".
- " Amanhã é capaz de aparecer outra vez?"
- "Pois é. É o trabalho dele."
- " É engraçado chamarem trabalho a estar ali sentado, a falar... Coisas das cidades..."
Lembro-me sempre desta história verdadeira quando comecei a ver e a ouvir comentadores de política a fazerem comentários de futebol, de gastronomia e vinhos, de música, de vida social, obituários, e mais coisas de que não me lembro agora...
Há quem diga que o "aproveitamento" que os vários canais fazem das mentes ao seu dispor tem a ver com a poupança, com a crise económica e financeira em que ainda estamos metidos: sai mais barato pedir ao Marcelo que vá ler uns jornais desportivos antes da noite do Domingo - já que a avença tem sempre que lhe ser paga - de que contratar mais um comentador especializado.
Mas o mais estranho é que "eles" já lá estão também. Os outros comentadores de futebol e mais desportos. E que eu saiba não são pagos à peça, mas também por algum contrato mensal a que volto a chamar ( se calhar indevidamente) "avença".
Por mim trata-se do síndroma do "centerfold\gatefold" da revista Playboy: a malta compra a revista por causa dos artigos (na grande maioria muito bons, a sério!) ou sobretudo para ver a "desdobrada" playmate da página central?
A playmate é o engodo para comprar a revista. O resto é jornalismo, e muito bom.
Quem se recorda da playmate de Agosto de 1980? Mas quem se poderá esquecer da épica entrevista de David Sheff a John Lennon e Yoko Ono, na mesma revista, a última que John deu em vida e considerada pelos historiadores da música a mais importante que foi publicada?
'I don't believe in yesterday,' Lennon says. "Life begins at 40, or so they promise. And I believe in what's going to come.'" Nota: Foi uma bala, dois dias depois.
O que é certo é que tanto compra a Playboy o voyeur à espera da menina bonita como o intelectual que quer ler mais uma grande entrevista. Por exemplo, a que o escritor Kurt Vonnegut Junior deu em Julho de 1973, sendo entrevistador David Standish.
Da mesma maneira, a introdução de outros tópicos no discurso televisivo do "falante politicamente encartado" poderá ter por objectivo alargar o leque da audiência? Tornar o "chato e sisudo" mais atraente para as massas? Amenizar uma "narrativa" para a qual muito cidadão já não tem pachorra?
Haverá por aqui alguma razão que desconhecemos. Mas que não será alheia à satisfação do grande deus das audiências.
Os "doutores mochos" palram ( é o termo) de tudo. E como quem os ouve por norma não sabe do assunto, estão à vontade para discorrer debaixo da admiração beata do espectador. São como os pregadores evangélicos que usam a Bíblia para falar de colheitas e de meteorologia.
É claro que dentro de um café, à mesa com amigos, o português é conhecido por falar de tudo e sobre tudo ter uma opinião, desde cirurgia reconstrutora da face até a centrais nucleares de fusão, passando obviamente pela "táctica" futebolística.
E muitos palermas julgam que "de futebol toda a gente sabe". Esses deviam primeiro tirar um curso ou dois ( de 5 anos cada um) com alguém verdadeiramente entendido.
O "Pai da Matéria" , o grande cronista desportivo Osmar Santos, lhes diria : Sai dessa que o Jacaré te abraça garotinho!
E com razão.
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