quarta-feira, maio 11, 2016

O saber de experiência feito: recuperando o Velho do Restelo?



Embora todos saibam que a frase do titulo é dos Lusíadas, talvez nem todos se lembrem quem é o personagem que a diz. É o "Velho do Restelo", no canto IV, oitava 94:

Mas um velho d'aspeito venerando,
Que ficava nas praias, entre a gente,
Postos em nós os olhos, meneando
Três vezes a cabeça, descontente,
A voz pesada um pouco alevantando,
Que nós no mar ouvimos claramente,
C'um saber só de experiências feito,
Tais palavras tirou do experto peito


Habituámo-nos a dar valor à frase, mas sabendo que quem a disse foi o "Velho do Restelo", a quem toda a vida considerámos retrógrado e defensor do passado,  um inimigo do progresso, como ficamos?

Há quem julgue que este "Velho" tem de ser reabilitado. Eu próprio, não sei se por estar já a entrar nos "60's" , sou daqueles que - em parte - compartilham essa opinião. 

Se nos lembrarmos bem da saga dos Descobrimentos veremos que começou bem (mais ou menos) mas acabou mal:

"O Velho do Restelo representa a voz da razão num momento de euforia e deslumbramento, a voz da experiência perante a irreverência. Em certa parte, os seus conselhos acabaram por se revelar proféticos, pois a prosperidade das Descobertas cedo se revelou fugaz, seguindo-se a decadência económica e territorial, que acabou na perda da independência".

Se ponderássemos tudo o que se deveria fazer com a tal "voz da razão" não tínhamos ido à Lua? Se calhar não... Mas porventura também não teríamos tido as grandes guerras e outras grandes tormentas. Neste balancear entre a "razão" e a "aventura da emoção"  pesamos o progresso da civilização.

Segundo Popper, "no âmbito da investigação científica, o pensamento crítico sempre procede de modo contra-indutivo; isto é, gerando novas teorias aparentemente sem bases ortodoxas que possam testar-se experimentalmente e derrubar as antigas".

Para que essas novas teorias sejam geradas é fundamental existir imaginação criadora.  E por causa disso é que continuo a discordar do "Velho do Restelo". Quem pensa dentro da caixa e avança seguro pelas estrada de alcatrão raramente encontra os novos caminhos.

Alguns desses novos caminhos foram dar a Hiroshima, é verdade. Mas também abriram portas para que a  esperança de vida à nascença em Portugal seja hoje de 80 anos...

Peixe ou carne? Ao invés de gritarmos "muito",  como fazia o esfomeado da anedota, manda a atual conjuntura que se diga "ambos, na proporção adequada".

E aqui é que a porca (com vossa licença) torce o rabo. Somos uma raça de extremos.

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