terça-feira, março 18, 2014

Vista para o mar e de costas para a serra

Ontem estive mais uma vez a polir assentos de clínicas e consultórios de braço dado com a minha santa, o que me permitiu - durante os largos espaços de espera - filosofar à vontade e deixar por umas horas o vício do Google e Facebook. O  Outlook é que ainda não consigo desligar...Maldito "pushmail" que não dá descanso ao indígena, esteja ele onde estiver, a qualquer hora do dia ou da noite.

Nesta relativa calma, só interrompida pelas muitas perguntas da santa sobre tudo e mais alguma coisa (está mais chata que as "chatas" da praia da Poça) , li numa  das revistas disponíveis na sala de espera que a nova política do "visto de ouro" - passaportes de favor, vistos de residência e livre trânsito no espaço Shengen -  tem trazido muitos investidores chineses ao nosso país.

E li outras coisas engraçadas sobre as preferências destes novos compradores em termos de imobiliário. Entre outras coisas, como a valorização do investimento, as áreas disponíveis, o preço por m2, etc... parece que dão também  muita importância à milenar arte do Feng Shui na altura de decidirem a compra.   O Feng Shui é a antiga arte chinesa de criar ambientes harmoniosos. Originou-se há cerca de 5.000 anos, e  estuda a influência do espaço no nosso bem-estar e a forma como os locais onde vivemos e trabalhamos se refletem no modo como nos sentimos.

Parece que, para um chinês que se preze,  as propriedades devem ter vista de mar e a serra nas traseiras.

-"Isso também eu queria!!" Dirão alguns leitores.

 Pois queriam vossas mercês e eu também. Mas se calhar não têm.

No nosso caso não é Feng Shui.  Seríamos logo tratados como "Gulosos! Não querias mais nada? E uma dose larga de sarna para te coçares? Se queres vista de mar e serra nas costas, paga!"

Também me apercebi que nesses negócios imobiliários à moda da China, o comprador só fecha o assunto no caso da empresa vendedora lhe garantir 30% de investimento ao fim de 5 anos (por arrendamento).  Seja ou não possível arrendar, o chinês só compra se a promotora imobiliáriia lhe garantir esse rendimentozinho. Se investe 1 milhão de euros, ao fim de 5 anos quer 300 mil. Mantendo a propriedade plena ! Está claro!

De novo, aquilo que para os envolvidos nestas coisas passa por ser uma "política de investimento astuta e financeiramente bem ponderada" por parte dos chineses, se fosse exigida por algum tuga levávamos logo roda de  "Gananciosos! É dado e arregaçado não?! E uma dose larga de sarna para te coçares?!"

De acordo com o "Epoch Times - "Em Portugal, cerca de 75% dos “vistos de ouro” concedidos no ano passado, que dão o direito de residir no país em troca de um investimento mínimo, foram concedidos a chineses, disse Vítor Sereno, o cônsul-geral português em Macau, numa apresentação a potenciais investidores".

Só me admiro é que não sejam mais... Como dizia António Barreto no "Público", "Comprar investimentos com vistos e passaportes de favor é absolutamente repugnante".
Pois é...Mas não parece. Leiam aqui mais sff:

http://expresso.sapo.pt/o-visto-dourado-e-repugnante-e-imoral=f828825#ixzz2wIli22ZY

Mas a coisa mais estranha que li na mesma sala de espera foi a seguinte:
"A nova lei que permite a isenção fiscal, durante dez anos, para as pensões de reforma de cidadãos estrangeiros que residam em Portugal há mais de 183 dias é um factor essencial para a nova vaga de imigrantes reformados que chegam ao país."

Portanto, isenção fiscal durante 10 anos para os pensionistas "entrados lá de fora àparte"!

Qual o português que não desejaria isso??

Mas se o pedisse, levava logo com um rosário de mais injúrias: "Interesseiro! Egoísta! Comodista! A defraudar o erário público?! A querer fugir ao pagamento dos seus impostos?!! Não querias mais nada não??!! E uma dose de sarna para te coçares??!!"

Em conclusão: alguém sabe onde se compra a tal "sarna"?  Na falta de outras coisas (dinheiro, cuidados de saúde, apoio à educação) vamo-nos coçando...   Já aqui escrevi sobre isso... Haja unhas! (até que as retirem também).


Um comentário:

Américo Oliveira disse...

A propósito do Feng Shui, a antiga arte chinesa de criar ambientes harmoniosos ou da falta que ela nos faz, recordo aqui Gerrit Komrij (1944-2012) um dos mais famosos escritores holandeses que escolheu o nosso país para viver desde a década de 1980. Deixando para outros o decifrar do enigma da alma portuguesa, preferiu ocupar-se dos enigmas quotidianos de Portugal e, entre outros, citava o enigma da parede cega:

"Ser-me-á sempre inacessível a razão por que os portugueses levantam sistematicamente uma parede cega, ou uma parede com tão-só uma minúscula janelinha de retrete, no lado da casa de onde se tem a mais bela vista. Claro, há aquela famosa aversão à luz e ao sol. Portugal é um país que, Verão ou Inverno, mantém inflexivelmente cerradas as gelosias. Não admira que quase toda a gente sofra de reumatismo e de inflamação das articulações. Mas, mesmo quando o mais deslumbrante panorama calha ser a norte, é de costas para lá que eles constroem a casa. Para, ao domingo, partirem com o cesto da merenda direitos aos montes ou a um parque de estacionamento pendurado sobre o abismo à beira de uma auto-estrada, para aí gozarem a paisagem".

A falta que o Feng Shui nos faz...