Morrem por dia em Portugal quase 300 pessoas. São os dados oficiais. Mas é claro que poucos destes funerais têm tanto impacto na opinião pública do que aqueles a que assistiremos hoje: os de Mário Soares, Daniel Serrão, Guilherme Pinto. E, para mim, o do Carlos Bernardo.
Estive perto de Mário Soares várias vezes, em momentos institucionais que tinham a ver com a minha função. Recordo dele tiradas impagáveis, mandando afastar ministros quando manuseava o carimbo, dizendo que "...disto percebo eu Sr. Ministro!". E outras "estórias" que um dia (depois da reforma) poderei contar com mais à vontade. À família - especialmente a João Soares, que esteve connosco, também ele carimbando - os meus sentimentos sinceros.
Do Professor Daniel Serrão a minha memória é mais difusa, indo buscar apenas um momento de contracena com as emissões de selos, mas como espectador, segundo me recordo na Câmara Municipal do Porto. Todavia com o filho Manuel Serrão tenho-me encontrado diversas vezes, em sessões em redor do património gastronómico nacional e a ele envio um sentido abraço de condolências.
Guilherme Pinto foi um dos atores presenciais, a 31 de Outubro do ano passado, na sessão da Fábrica Ramirez onde lançámos a 1ª emissão de selos do mundo em latas de conserva. Carimbou os sobrescritos de 1º dia e proferiu algumas palavras, já bastante debilitado. Aproximei-me dele porque o vi sentado (era o único em cadeira) e logo me disse sem problemas: "estou sentado porque tenho um cancro. Mas vou dar-lhe a volta!". À Câmara Municipal de Matosinhos, a todos os parentes e amigos, vai igualmente daqui um abraço de pêsames.
E depois o Carlos Bernardo. O Carlos trabalhou na Filatelia dezenas de anos. Entrámos quase ao mesmo tempo para os CTT, tendo feito o tirocínio naquela escola de correios que foi a Casal Ribeiro. Almoçávamos praticamente todos os dias juntos.
A equipa da altura tinha pouca gente, mas de muita qualidade: O Leiria Viegas ao leme, o Duran nos desenhos, a Graciete no ramo internacional, a Manuela e a Julieta na "fábrica", a Sacramento Costa no Planeamento e depois o Carlos Bernardo ( e eu) na área Comercial.
O Carlos era um homem bom. Nunca conheci alguém que não gostasse dele. Tinha uma forma jovial de encarar o mundo e a vida de trabalho. Era um dos melhores colegas nos momentos bons e maus.
Nestes mais de 30 anos de companheirismo , lado a lado na mesma sala e depois em gabinetes contíguos, recordo histórias muito engraçadas passadas com ele.
Uma vez foi a Israel fazer uma exposição. Convém dizer que o aspecto físico do Carlos era quase árabe: baixo, muito moreno, de cabelo preto encaracolado.
Desta forma antes de o deixarem entrar em Tel-Aviv meteram-no numa sala e mandaram-no despir todo. O Carlos assim fez, mas deixara as peúgas calçadas. "Tire sff as meias!". E ele lá tirou. E veio-nos dizer para Lisboa: " Mas onde raio caberia uma bomba debaixo dos peúgos? Imaginem se eu usasse meias até ao joelho...ainda lá estava!"
De outra vez partimos de Renault 4 (mudanças de "bengala") para uma reunião no Algarve, penso que era no Carvoeiro. Estávamos no Verão. As mais de 4 horas de viagem - a viatura fazia 100Km \hora em descidas - fizeram-nos uma sede do caneco. Chegados ao Hotel rumámos ao Bar e enfiámos de seguida quatro gins tónicos cada um. Estávamos à vontade, porque a nossa intervenção era lá mais para o final da tarde e tínhamos umas horas para recuperar.
Mas depois da desbunda soubemos que tinha havido mudanças e éramos os primeiros a falar. Dentro de 20 minutos começava a sessão.
O que fizémos? Para saber qual dos dois tinha a honra de se dirigir à assembleia primeiro, fomos beber mais um Gordon's e deitámos uma moeda ao ar. Perdi eu...
No fim das intervenções, antes do jantar, o Leira Viegas veio ter comigo e disse-me "Você estava muito animado! Pôs a malta toda a rir". Pois ...
Era assim o meu Amigo. Recordo-o já com saudade, nos grandes momentos de convívio que tivemos juntos. Algarvio de gema, sempre que podia rumava a sul. E eu com ele várias vezes. Conhecíamos de cor a Estrada Nacional 5, sobretudo no troço entre Portimão e Vilamoura... Chegámos a fazer na mesma noite esse troço umas 4 vezes (duas para cada lado). Grandes tempos!
Boa Viagem Amigo! E falaremos.
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