Na Páscoa era meu costume partir para a aldeia na Serra da Estrela. Tínhamos essa combinação quase desde que casei: Páscoa na Serra, Natal no Estoril. E funcionava bem.
A muita idade e as maleitas das senhoras cá de baixo complicaram esta aparentemente simples aritmética. Sem licença para deixar as "santas" cá de baixo sozinhas ( e sendo que a hipótese de apoio fora de casa nem sempre é possível e não é bem vinda) temos de fazer o que podemos. Neste caso será aqui ficar no Estoril a tomar conta do "assunto".
Para além da vontade de ver os amigos e familiares, a Páscoa na Estrela também era repositório de pequenos mimos muito bem vindos: a abertura do vinho novo, os queijos da serra no seu esplendor, o pão-de-ló quentinho a sair do forno. E, sempre, o cabrito ali criado no pasto para a mesa do Domingo de Páscoa.
Aproveitava-se a Quinta Feira para dar um salto ao Centro de Estudos Vitivinícolas de Nelas, para ver o que se poderia lá comprar, combinava~se um forrobodó com os amigos e parentes, lá mais para o final da tarde de Sábado... Esse tipo de pequenos prazeres.
O almoço de Páscoa era um banquete: Filetes de polvo , cabrito assado, "ervas" (esparregado de nabiças grosso), leite creme e arroz doce feitos com leite de ovelha e ovos caseiros, pão-de-ló e, a terminar, um queijo de entorna com mais de quilo e meio.
Normalmente sentávamos-nos por volta da 13h e só nos levantávamos para receber os parentes com os doces e o queijo, lá para as 17h.
Os vinhos branco e o tinto novos eram apresentados com orgulho nesse dia pela primeira vez à mesa - o que quer dizer que na adega já teriam sido bem provados... E para terminar em beleza as hostilidades abria-se uma garrafa de bagaceira velha, com mais de 20 anos em madeira de carvalho.
Jantar não havia. Quem queria comer qualquer coisa que trouxesse para a mesa presunto, queijo e algumas das febras do cabrito para fazer sandes.
Um dos casos estranhos desse dia era que todos juravam e trejuravam que à noite "nada podiam comer!" ."Estavam cheios até cima". Mas depois de verem a toalha na mesa e a minha sogra a cortar presunto lá se iam "arrimando"...
Por norma - nesses dias de video-gravadores - era costume acabar o serão a ver um filme que eu trazia cá de baixo. Sessão que tinha de se repetir na segunda feira depois do almoço, porque na noite do Domingo de Páscoa estava a malta toda um bocado "acelerada" e a ver a dobrar. Ou a triplicar...
Pode ser que ainda se venham a repetir essas boas práticas pascais lá na quinta, com todos os sobreviventes a erguerem o copo do bom vinho do Dão, saudando a memória dos que já partiram.
Mas por enquanto tem de ser assim. É a vida. E temos que ter paciência.
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