quarta-feira, abril 12, 2017

Tempos idos



Na Páscoa era meu costume partir para a aldeia na Serra da Estrela. Tínhamos essa combinação quase desde que casei: Páscoa na Serra, Natal no Estoril. E funcionava bem.

A muita  idade e as maleitas das senhoras cá de baixo complicaram esta aparentemente simples aritmética.  Sem licença para deixar as "santas" cá de baixo sozinhas ( e sendo que a hipótese de apoio fora de casa nem sempre é possível e não é bem vinda) temos de fazer o que podemos. Neste caso será aqui ficar no Estoril  a tomar conta do "assunto".

Para além da vontade de ver os amigos e familiares, a Páscoa na Estrela também era repositório de pequenos mimos muito bem vindos: a abertura do vinho novo, os queijos da serra no seu esplendor, o pão-de-ló quentinho a sair do forno. E, sempre, o cabrito ali criado no pasto para a mesa do Domingo de Páscoa.

Aproveitava-se a Quinta Feira para dar um salto ao Centro de Estudos Vitivinícolas de Nelas, para ver o que se poderia lá comprar, combinava~se um forrobodó com os amigos e parentes, lá mais para o final da tarde de Sábado... Esse tipo de pequenos prazeres.

O almoço de Páscoa era um banquete: Filetes de polvo , cabrito assado, "ervas" (esparregado de nabiças grosso), leite creme e arroz doce feitos com leite de ovelha e ovos caseiros, pão-de-ló e, a terminar, um queijo de entorna com mais de quilo e meio.

Normalmente sentávamos-nos  por volta da 13h e só nos levantávamos para receber os parentes com os doces e o queijo, lá para as 17h.

Os vinhos  branco e o tinto novos  eram apresentados com orgulho nesse dia pela primeira vez à mesa  - o que quer dizer que na adega já teriam sido bem provados... E para terminar em beleza as hostilidades abria-se uma garrafa de bagaceira velha, com mais de 20 anos em madeira de carvalho.

Jantar não havia. Quem queria comer qualquer coisa que trouxesse para a mesa presunto, queijo e algumas das febras do cabrito para fazer sandes.

Um dos casos estranhos desse dia era que todos juravam e trejuravam que à noite  "nada podiam comer!" ."Estavam cheios até cima". Mas depois de verem a toalha na mesa e a minha sogra a cortar presunto lá se iam "arrimando"...

Por norma  - nesses dias de video-gravadores -  era costume acabar o serão a ver um filme que eu trazia cá de baixo. Sessão que tinha de se repetir na segunda feira depois do almoço, porque na noite do Domingo de Páscoa estava a malta toda um bocado "acelerada" e  a ver a dobrar. Ou a triplicar...

Pode ser que ainda se venham a repetir essas boas práticas pascais lá na quinta, com todos os sobreviventes a erguerem o copo do bom vinho do Dão,  saudando a  memória dos que já partiram.

Mas por enquanto tem de ser assim. É a vida. E temos que ter paciência.

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