A noite das Bruxas deste ano foi passada no sofá de casa, a ver o Netflix e a beber um copito.
Entreti-me com as duas épocas da série "Marco Polo" (original Netflix) a qual prova que também em televisão é possível ter acesso a conteúdos para adultos de qualidade. Não tão boa como "Game of Thrones" (também era o que faltava) mas muito agradável.
Obrigações familiares e uma inclinação mais natural para o sossego levaram a este triste final caseiro.
Nem sempre foi assim. Na época em que o Blues Café (nas Docas) estava no seu age - e em que nem sequer se falava de Halloween em Portugal - era costume esta minha noite ser de farra maior (não confundir com "faina maior").
Tínhamos de ir ao Blues uns dias antes, reservar uma mesa para o jantar. A procura era muita, o que valia é que nós éramos clientes de "garrafa" e por isso preferidos quando tocava a fazer o rateio das mesas.
A decoração completa metia abóboras, vassouras, espantalhos e o clássico "palhaço maléfico" (do excelente "It" de Stephen King). As meninas e meninos dos bares estavam vestidos a preceito, a música , que era normalmente baseada em BB King y sus muchachos, nessa noite recebia uns toques de magia. Havia concursos de máscaras e artistas ao vivo.
Estávamos em 1996, o rei dos blues tinha estado no Coliseu e passara pelo Blues Café.
Na SIC tinha começado a "Grande Reportagem" e o "Contra Informação".
O meu carro era um dos melhores que já conduzi: um Toyota Carina E. Nunca avariava!
CMTV não existia. "Troikas" eram coisas que se liam nos livros do Pasternak e do Pushkin. A moeda "Euro" já se adivinhava à distância, mas ainda não tilintava nos bolsos de ninguém.
Portugal estava bem. Dizia o circunspecto Banco de Portugal sobre o ano em causa:
A evolução da economia portuguesa, em 1996, foi marcada pela continuação do processo de desinflação, o aumento do crescimento económico — impulsionado pela aceleração do investimento — a estabilização da taxa de desemprego, e a redução do desequilíbrio orçamental.
No recibo que guardei dessa Noite das Bruxas de 1996 (uma quinta feira) no Blues Café estava inscrito o valor: 6 jantares - 15 000$00.
E recordo-me , melhor dizendo, lendo do papel, que isto da minha memória parece um cartão perfurado dos primeiros computadores, que tivemos direito a gin tónico, entrada, prato principal, sobremesa e 4 garrafas de vinho, duas Alvarinho e duas tinto - Aliança Garrafeira de 1992.
A seguir à sobremesa veio a garrafa de Jack Daniels para a mesa, a qual se deve ter bebido toda, porque lá estava mais um "recibo" a testemunhar o gasto: garrafa de bourbon - 8000$00.
Na prática saiu a noite por 23 continhos, para seis pessoas. Entrámos às 22h e saímos às 6h da manhã seguinte.
Na época almoçava bem no velho Funil por um conto e duzentos, com tudo a que tinha direito - queijo fresco, alta posta de garoupa cozida, Quinta de Camarate Branco Seco, café e whisky. Por isso consideraria "cara" aquela despesa da noite das bruxas.
Hoje 23000$00 seriam 115 euros... O preço de um almoço para duas pessoas em casa de categoria semelhante, desde que tenham cuidado com o que bebem.
O tempo não volta para trás, nem eu o desejaria. Mas é engraçado "pescar" estas reminiscências de há 20 anos atrás.
O Blues-Café das Docas de Alcântara está encerrado. Li algures que no local do venerável Hot Club, na Praça da Alegria, está agora aberto um "Fontória Blues, Café & Dinner".
Qualquer dia passo por lá.
Mas já não pagarei 115€ por 6 jantares completos e uma garrafa de Jack Daniels... Acho eu.
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