Uma coisa é sentir por interposta crónica, reportagem televisiva ou comentário, horror do que se passou no fim de semana de 15 de Outubro. Outra coisa é telefonar para os parentes nesse Domingo, não obter resposta e vir a saber mais tarde que o fogo tinha entrado na propriedade e que ali tudo se queimara excepto a casa de habitação.
O mal que vive afastado das nossas vidas impressiona por momentos, leva a tomadas de consciência e a pensamentos de ajuda (que podem ou não concretizar-se em boas acções) mas quase nunca nos tiram o apetite para o almoço. E quando tiram não é grande problema, porque ao jantar a inquietação passa a indisposição ligeira e já encontramos vontade para petiscar alguma coisita.
Melhor do que eu outros já notaram esta ligeireza de pensamento sobre o mal distante, que nos vai apertando o coração à medida que o perigo se aproxima. Uma coisa serão 270 mortos em inundações na China, outra muito diferente serão 159 mortos no terremoto de Amatrice, Itália.
Pessoas serão sempre pessoas, mas a proximidade importa. No fim de contas estamos na Europa. o "core" do mundo civilizado, onde é suposto a natureza estar mais ou menos controlada há centenas de anos. E onde não é suposto - neste século XXI - ocorrerem mais de 100 mortos em incêndios florestais, no mesmo ano.
Existem duas principais causas dos incêndios florestais no nosso país.
Uma delas tem séculos e resulta da substituição da floresta primeva (o carvalhal) por uma floresta de pinheiros e mais tarde de eucaliptos. Dizem os entendidos que a construção naval do século XV e XVI, em primeiro lugar, e depois a expansão da ferrovia e a necessidade de madeira para as travessas das linhas férreas, terão sido as principais causas da desflorestação das matas originais e da necessidade de plantar madeira mais rápida a crescer.
E ninguém negará que a floresta sempre verde de madeiras ricas em resina ou óleos essenciais arde mais e melhor do que uma floresta de árvores de folha caduca.
A outra razão é mais próxima de nós, remonta ao século XX e tem a ver com a progressiva desertificação do interior. Causada pela guerra colonial , pela industrialização e pela emigração no início, mas mesmo depois da revolução a melhoria das condições de vida abriu oportunidades nas cidades e no litoral mas fechou os horizontes de desenvolvimento nas aldeias do interior.
Sem pessoas jovens para tratar das terrenos, para cultivar, para pastorear e para lavrar, as terras incultas ficaram ao abandono, prontas a acumular material inflamável sem vigilância próxima.
Cito o biólogo Jorge Paiva, que escreveu em 2013:
"Correia da Cunha bem demonstrou que Portugal estava a ficar demograficamente desequilibrado, mas os políticos não o quiseram ouvir (aliás, não convinha). Já que não querem humanizar minimamente as montanhas com vigias durante o Verão, ao menos façam a ordenamento do território. Ribeiro Telles e tantos outros bem têm alertado para esta urgência. Mas os governantes nada têm feito. Arranjam sempre desculpas de vária ordem, quando a única razão para que isso ainda não tenha sido feito é não só porque dá imenso trabalho, como também porque daria muitos problemas com os proprietários rurais. Além disso, os resultados de um trabalho desses não são imediatos, o que é mau para "angariação" de votos nas eleições seguintes."
Parece que depois dos 100 mortos e do clamor público e notório este ordenamento do território irá finalmente ser feito. Estaremos cá para ver, mas convém esperarmos sentados.
Uma coisa parece certa: o combate aos incêndios por reacção está condenado ao fracasso.Por muito bons e valentes que sejam os bombeiros ( e são) e por muito profissional e competente que seja a estratégia.
A estratégia vencedora passa pela profilaxia, pela forma de minimizar as condições de deflagração.
Mas estamos em Portugal. Depois de amanhã menos se falará do assunto, ao fim de alguns meses ainda menos, os mortos não votam, e as prioridades serão reavaliadas . Daí alguma descrença nas medidas de profilaxia para estas tragédias.
Venha o pacto de regime. Pode ser que resolva. Honrando a nossa memória árabe, Insha'Allah.
terça-feira, outubro 24, 2017
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