terça-feira, agosto 30, 2016

Ir ao mar

Ontem a equipa directiva a que pertenço teve uma sessão de "team-building" a bordo de dois veleiros, passando um dia engraçado no Tejo, a resolver enigmas e a aprender os rudimentos da vela.

Houve pormenores deliciosos desse dia fora do normal, para além da convivência em alegria mas falando de coisas sérias.

Colocando o assunto na primeira pessoa, e pedindo desculpa por algum exagero poético, dedico o Post de hoje a recriar alguns desses pormenores.

Começo por dizer que a minha outra   experiência de mar, nesse caso mar aberto, foi há muitos anos atrás, quando um bom amigo me convidou para umas horas de navegação a bordo de um iate a motor da categoria "sea wolf".

Com  800 hp de força nos dois motores Volvo, e 50 pés de comprido, aquilo era quase um transatlântico visto de terra na doca de Vilamoura. E assim fui enganado...

Depois de lá estar em cima, quando os motores começaram a "falar" e o barco a bater fortemente de chapa nas ondas, foi o bom e o bonito...Só à força de vodkas tónicos ( com pouca água tónica) consegui disfarçar o susto.

Quando me apeei (ou lá como se diz) as pernas tremiam mais do que se tivesse andado num daqueles "roller-coasters" malucos dos USA que fazem "loops" e tudo. É claro que a litrada de vodka também não teria ajudado ao equilíbrio...

Velejar nunca tinha experimentado. Mas estava desconfiado. Claro que aquilo ontem era no Tejo e não no mar aberto entre Vilamoura e Puerto Banús. E ver as duas margens com o rio ao meio ajudou.

A primeira peripécia consistiu em resolver enigmas a bordo, tirando fotografias das soluções encontradas, que tinham todas a ver com pontos da costa entre a Praça do Comércio a a Baía de Cascais.

O rio\mar estava que parecia um espelho, a malta lá ia escrevendo e palpitando resultados, pelo que  essas primeiras 3 horas passaram-se bem. Tirando a necessidade de deslocar do veleiro para o cacilheiro do almoço a minha imponente figura através das duas amuradas.  Parece simples, mas convido a que o façam tendo a envergadura da besta que se assina.

Passa a perna por cima do cabo de aço. Segura-te à porta do outro lado, cuidado que a maré está a bater e os 30 cm são agora 50 cm... Tenta outra vez. Já está! Sem esfolar demasiado as canelas.

Almoço a bordo, em frente à zona histórica do Seixal e tendo por pano de fundo a Quinta da Atalaia, onde já se trabalhava na Festa do Avante deste ano. Um almoço sem  muita história gastronómica, valendo pelas anedotas e pela boa disposição das tripulações.

Como não há almoços grátis (já estávamos avisados) seguiu-se a horita da introspecção e do sermão da quaresma, que o ano vai assim-assim, mais a dar para o assado...

De tarde estava combinado fazer-se a "regata". Eram dois veleiros, a malta foi distribuída pelos dois e, chegados a certo ponto do trajecto Seixal-Padrão dos Descobrimentos, fomos "largados" à vela.

De repente o "mar-chão" encorpou e começou a falar com voz mais grossa. A esse atropelo juntaram-se as onditas dos catamarans,  cacilheiros modernos que se cruzavam connosco. O vento desatou a fazer-se ouvir  e estava criado o ambiente para o desporto.

Apesar dos adversários terem ligado o motor a meio do desafio (BÙUUUUU) foi o veleiro onde eu ia que ganhou a regata. Provavelmente porque ia mais baixo na linha de água? Não preciso de dizer a razão.

Chegámos à Doca do Bom Sucesso sãos e salvos, sem sustos de maior e, o que é o mais estranho, quase todos a falar em dialecto. O conhecido "maritimês de veleiro"

Caça a escota dessa vela imbecil! Orça! Orça! Força no molinete! Folga a grande! Folga a grande! Vamos arrear a genoa! Deitem as defensas!

Pôrra! Senti-me quase o Fernão de Magalhães!

Nota: Só não entendi porque motivo nos mandaram levar uma muda de roupa num saco... medo sim, mas não a esse ponto... Acho eu.

quinta-feira, agosto 25, 2016

Para Descansar a Vista...em Itália

Antecipo o "momento de poesia" já que na sexta feira não estou por cá.

A desgraça do terremoto no centro de Itália lembra que  - contrariamente aos que muitos pensam, na sua arrogância de espécie supostamente dominante - a humanidade ainda não controla o planeta onde mora.

Estragar pode estragar e tem estragado, tal e qual como algum grupo de holligans pode dar cabo de um bar no hotel onde pernoitam.

Mas quanto ao resto, ao mais importante, somos quase como os cachorros dentro do laboratório do Dr. Pavlov. Salivamos quando toca a campainha, mas nem fazemos ideia da motivação do célebre cientista russo para essa experiência.

Entrego a todos , in memoriam das vítimas, um poema belíssimo sobre a perda. É de Florbela.

A Minha Dor

A minha Dor é um convento ideal 
Cheio de claustros, sombras, arcarias, 
Aonde a pedra em convulsões sombrias 
Tem linhas dum requinte escultural. 

Os sinos têm dobres de agonias 
Ao gemer, comovidos, o seu mal ... 
E todos têm sons de funeral 
Ao bater horas, no correr dos dias ... 

A minha Dor é um convento. Há lírios 
Dum roxo macerado de martírios, 
Tão belos como nunca os viu alguém! 

Nesse triste convento aonde eu moro, 
Noites e dias rezo e grito e choro, 
E ninguém ouve ... ninguém vê ... ninguém ... 

Florbela Espanca, in "Livro de Mágoas" 
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terça-feira, agosto 23, 2016

Culpados



Estejam descansados que não vou falar do episódio de Ponte de Sôr, o qual já cheira mal em todos os sentidos.

Aqui os "culpados" têm a ver com os incêndios,  a propósito do último grande fogo de ontem e hoje, andando lá por cima, muito perto da nossa quinta, na zona de Seia.

O meu cunhado chegou a fazer parte das equipas camarárias que faziam prevenção de incêndios florestais no parque natural da Serra da Estrela. Eram pagos pela autarquia, com ajudas governamentais , no tempo "daquele primeiro ministro" que todos ( ou muitos) querem agora fingir que nunca foi eleito (e duas vezes).

Nesses anos havia fogos na zona, claro, mas eram menos e mais controláveis no chão. Porventura as condições de temperatura e de vento ajudavam, mas havia algum cuidado em prevenir.

As equipas de ajudantes  camarários assinalavam as principais áreas de risco, iam lá, falavam com os proprietários, ajudavam na limpeza da floresta. Trabalhavam 8 ou 9 horas por dia, entre Abril e Setembro. Sempre no jipe (era um velho UMM) enquanto houvesse luz do sol.

E traziam de lá "estórias" fantásticas. Daquelas que não gostamos muito de ouvir mesmo que sejam verdade. Como por exemplo, o facto de que muitos dos incêndios se deviam aos proprietários, que continuam a fazer queimadas quando e onde não deviam.

Não é apenas por deixarem as matas sem limpeza! É por queimar restolho nos meses de Verão...

Porque são criminosos? Não!! Porque são velhos e velhas, de mais de 80 anos, que não têm outra forma de limpar os terrenos para  plantarem algumas batatas, cebolas ou feijão .

Porque são mais do que pobres . E dependem do que cultivarem para sobreviverem. E porque não sabem fazer melhor, nem têm dinheiro para pagar, se soubessem. E mesmo se tivessem dinheiro, quem iria desbastar mato para esses locais perdidos nos vales? Onde habitam 3 ou 4 tristes?

Devem ser castigados e multados! Diríamos todos com razão derivada do código civil.

Mas onde estaria o dinheiro para pagar essa multa? Nem que fosse em géneros... Se pagassem 200 euros de multa os velhotes não iam à farmácia durante 6 meses.

O país não é Lisboa, nem sequer as plantações tipo "jardim" das modernas empresas agrícolas. Muita da área "cultivada" (entre aspas)  é destes pequenos proprietários que já não podem fazer o que faziam.

Porque, e esta será talvez a mais importante preocupação, nem só de SPA's, Quintas de Lazer e Resorts turísticos é feita a nossa ruralidade... É feita de idosos cada vez mais sozinhos e cada vez mais velhos... E quem não entende isto não entende o país onde vive.

Claro que depois há os "outros", os incendiários que deitam fogo por vingança, psicose, ou outro transtorno ligado ao diagnóstico de piromania. Mas o  deserto em que se vai transformando o país rural também tem por consequência a cada vez maior probabilidade dos incêndios florestais. E essa parece ser uma raiz do problema. Talvez a mais importante.

segunda-feira, agosto 22, 2016

O espelho das almas


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Os meios sociais, embora se ponham a jeito, não devem ser espelho das almas de quem neles colabora. Esta , obviamente, é a minha opinião. Há quem não concorde, o que também é respeitável.

Gosto de partilhar aqui momentos engraçados, as minhas omnipresentes "comidas e bebidas", os prémios que vamos ganhando no "boulot", e até faço comentários políticos e desportivos ao correr da pena.

Mas o que nunca lerão neste espaço são as minhas tristezas. Também as tenho, mas essas são do foro privado.

Esta lenga-lenga veio em reflexão por um comentário de uma boa amiga, que reparava na perpétua boa disposição dos meus textos: "Que boa vida e alegre deves ter!"

Quero dizer que faço os possíveis, mas não devem acreditar que só tenho dias bons e óptimos... Chuva e granizo também comparecem na ementa, nem só sol radioso e brisa de mar.

O meu Pai dizia que a alegria é para compartilhar, enquanto que os momentos de tristeza são privados. E essa filosofia sempre me orientou e continuará a orientar.

Este assunto recorda-me mais uma narrativa do Tio Santidade, personalidade da minha Serra muitas vezes aqui evocada  e que - como se devem recordar - tinha ódio profundo à água canalizada ( para beber e para se lavar).

Quando andava mais sóbrio (o que era raro) contava "estórias do tempo da miséria". Segundo aquela autoridade,  naqueles tempos um pobre devia andar sempre com duas coisas no bolso da jaqueta surrada: um copo de madeira ou de alumínio (para não partir) e ...um ossito de borrego. O copo era para beber à espicha nalguma adega que encontrasse com a porta encostada. E o osso era para cheirar antes de beber.  Com o cheiro da carne do borrego (já "falecida") o vinho  sabia-lhe melhor.

E o Tio Santidade gostava de terminar a parábola com a frase -"Hoje já não há pobres! Ainda bem, porque as portas das adegas já não são de madeira velha e têm todas fechaduras de jeito..."

A vida do homem "rico" da aldeia, que criava dois ou três porcos para vender, comprava queijo aos pastores para comercializar em Viseu e tinha algumas terras para batatas e vinho,  devia parecer aos pobres de então tão "opulenta" como hoje nós consideramos "excessiva" a vida do CR7 a passar férias ao largo de Ibiza num Iate "Ascari" alugado com tripulação por cerca de 100 000 euros por semana...

É a distinção entre o "relativo" da vida (das vidas) que nos faz ser mais optimistas ou pessimistas.

Uns (equipa de que faço parte) dirão sempre nas circunstâncias mais chatas: "podia ser pior..."

sexta-feira, agosto 19, 2016

Para descansar a vista...numa fotografia



Hoje, Dia Mundial da Fotografia, presto homenagem aos grandes fotógrafos que trabalharam no passado connosco e a quem devemos muito do sucesso dos nossos projectos. Por ordem de edição dos livros CTT em que colaboraram, desde 1985:
Luis Filipe Cândido, Jorge Barros, Júlio Marques, João Menéres, Homem Cardoso, Fernando Guerra, Mário Cerdeira, Paulo Bastos, Anabela Trindade.

Um grande abraço aos que felizmente ainda estão entre nós, e um pensamento de respeito e gratidão a quem já partiu para a "viagem".

Neste belo poema curto de Albano Martins se substituíssem "pintura" por "fotografia" nada perdia sentido:


Pintura

Onde se diz espiga 
leia-se narciso. 
Ou leia-se jacinto. 
Ou leia-se outra flor. 
Que pode ser a mesma. 

As flores 
são formas 
de que a pintura se serve 
para disfarçar 
a natureza. Por isso 
é que 
no perfil 
duma flor 
está também pintado 
o seu perfume. 

Albano Martins, in "Castália e Outros Poemas" 

quarta-feira, agosto 17, 2016

As medalhas



Portugal é o que é.

Pequeno numas coisas, por exemplo, na área do território "seco", só 92 000 km2.

Mas grande noutras coisas. Na área do território "molhado" , que é mais de 2 milhões de km2, também por exemplo. Temos (ou teremos depois de aprovada na ONU) uma das maiores plataformas continentais oceânicas do mundo...haja pernas e braços para tanto mar.

Nestas coisas dos Jogos Olímpicos somos pequenos. Temos sido e continuamos a ser parcos nas medalhas conquistadas.Temos 24 desde que existem registos. As mesmas que a Tailândia e que a Mongólia. Menos duas que a Índia e mais duas que Marrocos.

Reparem que se estas coisas se medissem pela dimensão do país, a Suíça, com metade da área "seca" de Portugal deveria ter 12 medalhas...Mas tem 328!

E a Índia (7º país em área "seca" do mundo, depois da Rússia, Canadá, China, EUA, Brasil e Austrália) teria várias centenas de medalhas. Mas não tem.  Tem apenas 26, como referido.

Se calhar a importância da competição não é evidente para o espírito do povo indiano. Não fará parte das suas prioridades.

Já na Suiça será diferente.

 Em Portugal a "malta" anseia pelas medalhas. Espera-se ansiosamente pelo "Lopes" ou pela "Rosinha" deste século... Os quais tardam em chegar. Tanto à meta como aos Jogos Olímpicos.

Nesta Olímpiada brasileira temos o "bronze" da Telma  (parabéns querida!!), e se calhar mais nada...

Porquê?  Não explicará tudo, mas aqui deixo, com chapelada ao jornal Público,  umas frases que podem explicar alguma coisinha:

(::::::) Rui Bragança, o lutador de Tae-Kwan-Do de Guimarães, contou  que muitas vezes tem de ir sozinho às provas. Quando os britânicos vão com dois treinadores, quatro pessoas só para verem os combates, um massagista, um fisioterapeuta, um médico ou um técnico, Bragança chega a ir completamente só.

(:::) Há poucos atletas que recebem um salário durante todo o ano; alguns chegam a treinar no Jamor – um centro de alto rendimento desportivo – com oito nadadores atribuídos a uma mesma pista; os dirigentes desportivos vêm a alta competição como perda de dinheiro e não como investimento; é muito difícil para um atleta, mesmo com excelentes resultados internacionais, dedicar-se 100% à sua modalidade;  muitos não prosseguem os estudos porque as universidades não lhes facilitam a vida nem nas coisas mais simples (como os horários ou poder assistir a aulas de diferentes turmas).

E vá lá que muito melhoraram as coisas! Quem se lembra que Aurora Cunha treinava "por correspondência" e com equipamento pago do seu bolso? Hoje já há isenção de IRS e de Segurança Social, apoio no pagamento de propinas escolares e patrocínios a longo prazo, como o da Santa Casa, coordenado pelo Comité Olímpico de Portugal.
Mas, se calhar ainda não chega...

quinta-feira, agosto 11, 2016

Para Descansar a Vista



Amanhã não venho aqui, há outra vez sessão hospitalar prolongada.

Por isso retomo hoje o poema semanal. Houve quem se queixasse da falta...

Com os sentidos nas nossas florestas em chamas recordo um grande poema de Ronald Stuart Thomas, o clérigo das montanhas de Gales.

Nota: Ronald Stuart Thomas (1913-2000) foi um poeta do País de Gales, clérigo anglicano nas comunidades rurais, sobretudo conhecido pelo seu forte nacionalismo e oposição ao centralismo inglês. Na sua poesia sente-se o amor pela natureza e  pelos trabalhos do campo. A  rudeza da vida nas comunidades onde se praticava  agricultura de montanha deu o estilo a este poeta: sóbrio, puro e estilizado.

Forest Dwellers

Men who have hardly uncurled
from their posture in the
womb. Naked. Heads bowed, not
in prayer, but in contemplation
of the earth they came from,
that suckled them on the brown
milk that builds bone not brain.

Who called them forth to walk
in the green light, their thoughts
on darkness? Their women,
who are not Madonnas, have babes
at the breast with the wise,
time-ridden faces of the Christ
child in a painting by a Florentine master


The warriors prepare poison
with love's care for the Sebastians
of their arrows. They have no
God, but follow the contradictions
of a ritual that says
life must die that life
may go on. 


They wear flowers in their hair. 

Ronald Stuart Thomas

quarta-feira, agosto 10, 2016

O Azar e a Sorte



Quem lesse alguns dos comentários europeus à vitória de Portugal no campeonato da Europa de Futebol (sobretudo franceses, mas sem exclusividade gaulesa) leria que "Portugal teve sorte".

Teve "sorte" no resultado dos jogos, teve "sorte" no sorteio, e teve "sorte" por ter ficado em 3º lugar na sua série, antes dos quartos de final. Enfim, teve "sorte" do princípio até ao fim, mesmo na final, quando a França não ganhou apenas por ter enviado uma bola ao poste a encerrar o tempo regulamentar.

Ao contrário, diríamos nós que Portugal teve "azar" na final de 2004 contra a Grécia, que o Benfica teve "azar" na final da Liga Europa contra o Sevilha (em 2014, Turim). E ainda mais "azar" contra o Chelsea em 2013 (Londres).

Esta manhã, ao ouvir na TSF o relato angustiante da situação no Funchal, dei pelo jornalista a afirmar que dois prédios - na localidade da Penha, alto do Funchal -  tinham sido consumidos pelas chamas , à esquerda e à direita de outro que não ficou afectado... Foi "azar" de uns proprietários e "sorte" do outro?

Apaixonei-me pelo cálculo de probabilidades na universidade. E é interessante notar que a sua génese (devida a Blaise Pascal) foram os chamados "jogos de azar" que deram origem a uma célebre troca de cartas entre Fermat e Pascal.

Esta possibilidade de quantificar os resultados aleatórios de experiências (controladas em laboratório)  pode dar a ilusão de que é possível também prever o resultado de acontecimentos do dia-a-dia, sejam eles fenómenos naturais ou ocorrências sociais provocadas pela intervenção humana.

São exemplos de previsões hoje habituais: os resultados eleitorais, o grau de aceitação de produtos novos, o tempo que vai fazer no futuro próximo, até a ocorrência de desastres naturais em determinadas circunstâncias ( alertas de tsunamis, prevenção de terremotos).

Mas infelizmente são menos os tipos de ocorrências que se podem "prever" do que os outros, que não têm (ou não a conhecemos ainda)  bases de análise que permitam aplicar os tais "modelos de previsão".

Podemos ter uma ideia sobre os fenómenos de causa e de efeito: fogo posto criminosamente, tempo quente, terrenos sem desbaste e vento, potenciam o perigo dos incêndios em floresta. Num meio ambiente como o da Madeira e  Funchal seria expectável que o fogo na montanha, empurrado pelo vento, e também devido ao efeito de "funil",  chegasse à cidade e se propagasse pelo casario.

Agora em que termos se poderia "adivinhar" que seria neste ano,  naquela noite e com estes efeitos terríveis?

Nesse sentido, e como escreveu Emanuel Kant, "Só podemos pensar as coisas numa relação de causa e efeito porque a causalidade está no sujeito, não nas circunstâncias".

Foi o "sujeito" Gignac que enviou a bola ao poste de Rui Patrício, foram os "sujeitos" Oscar Cardoso e Rodrigo que falharam os penalties do Benfica contra o Sevilha, e foi um "sujeito" que terá ateado o fogo na Madeira que levou ao actual descalabro.

Mas, se não é possível prever com exactidão, é (sempre foi) possível actuar de forma profiláctica.

E o tal "sujeito" dado a brincadeiras com fósforos na Madeira estava registado e sabia-se da sua inclinação...Nos meses de Verão não se podia pôr o homem a ajudar na preservação das Ilhas Selvagens?

Digo eu, que não sei.

terça-feira, agosto 09, 2016

Real Politik à Ribatejana





Já se sabe que as idiossincrasias do português são muitas e nem sempre relacionadas com comportamentos ditos "racionais".

Apreciamos  extremidades no prato (cabeças, pezinhos, joelhos) , "desportos" antigos e politicamente incorrectos (touradas, "chegas" de bois), temos alguma irresponsabilidade ambiental firmada nos nossos genes, adoramos o mar e a natureza, o que não nos impede de os sujar e maltratar quando a ocasião se proporciona.

Somos um povo de contrastes, nem melhor nem pior do que os outros.

Vem esta conversa a propósito de mais uma vez ter observado a convivência - num mesmo espaço e no mesmo tempo -  de paixões tão aparentemente contraditórias como a política de esquerda ortodoxa, o amor à festa brava e o respeito pela tradição católica.

Entre  a saudade por Mestre David Ribeiro Telles, a reverência à Nossa Senhora do Castelo e  o abraço aos princípios do Partido ( sim, desse mesmo!) faz-se a vida pública neste Ribatejo a meio caminho entre Évora e Lisboa.

Estranho? Porquê? Só a malta da direita "tem direito" a gostar de touros? Quem disse que a festa brava é propriedade só de alguns? E quanto à Igreja católica estamos conversados...Por cada Monsenhor enfeudado à oligarquia do momento ( seja ela qual for) temos um Francisco de Assis, um D. António Ferreira Gomes ou um D. Hélder da Câmara.

Para já não falar do Papa atual.

Duas das pessoas que mais respeito , pela qualidade intelectual e pelo assumir sem qualquer tipo de preconceito os seus ideais de esquerda, são adeptos da capeia raiana (um deles) e o outro do toureio apeado. Aliás, foi este último que escreveu a mais sentida homenagem a Manolete que tive ocasião de ler na minha vida, no Expresso, em Agosto de 1997.

A expressão "gauche caviar" dos gauleses foi cunhada para denegrir: Une fausse gauche qui se donne bonne conscience sans rien risquer, qui parle de la justice mais ne la pratique pas, Une gauche qui dit ce qu'il faut faire, mais ne fait pas ce qu'elle dit...

Aqui em Portugal e para o caso em apreço não se trata de nada disso! São homens e mulheres que vivem de acordo com as suas ideias, equilibrando com argúcia as preocupações legítimas de cariz social com o respeito pelas tradições da sua terra.

Bem hajam elas, e eles!

sexta-feira, agosto 05, 2016

Em Coruche louvando Nossa Senhora do Castelo



Esta tarde estarei em Coruche , participando no início das comemorações dos 500 anos  da  Procissão em Honra de Nossa Senhora do Castelo (1516-2016), com a presença confirmada de D. José Alves, Arcebispo de Évora na procissão solene que se realizará a 15 deste mês. 
Mas hoje teremos a inauguração da Exposição sobre este tema no Museu Municipal, bem assim como a edição de um catálogo sobre a história do evento. Os CTT fazem um Postal Inteiro Comemorativo e, como não podia deixar de ser, lá vai o embaixador itinerante da filatelia com a caixa de carimbos debaixo do braço, para dar testemunho do ofício e ver se converte mais alguma alma para esta arte.
Estando por lá pode ser que me arrime a umas febras e cachola em azeite e vinagre, um petisco típico de Coruche que já não provo há muitos anos. 

quinta-feira, agosto 04, 2016

Chuva de Verão



Caetano Veloso imortalizou este poema com a sua música. Ainda se lembram?

Podemos ser amigos simplesmente
Coisas do amor nunca mais
Amores do passado, no presente
Repetem velhos temas tão banais
Ressentimentos passam com o vento
São coisas de momento
São chuvas de verão...

Pois hoje está assim. Dia para a melancolia e para alguns de nós se perderem outra vez na conhecida "Memory Lane".

Por entre os temas passados que me vieram à memória recordo com saudade  um episódio passado nos meus primeiros dias nos correios.  Pedindo desculpa aos colegas que "entraram na comédia", alguns dos quais já cá não estão connosco neste mundo.

O director de então tinha introduzido nos serviços da chamada Direcção Comercial (que nesse tempo não se limitava à  filatelia, tinha tudo o que era produto de correio) a grande inovação da máquina de calcular eléctrica.

Não sei se se recordam, mas nos anos 70 do século passado (e antes) havia umas maquinetas mecânicas de manivela (para trás diminuíam, para a frente somavam) que eram utilizadas para o mesmo fim.

O nosso chefe de contabilidade - o Sr. Magalhães - era homem antigo do correio antigo. Proficientíssimo na máquina "da manivela", exímio na soma com lápis e papel, mas desconfiadíssimo da "electricidade".

Nessa altura só saíamos da Casal Ribeiro quando já não havia trabalho. Devo recordar que éramos quatro gestores de produto que  fazíamos todo o processo comercial dos CTT: Cartas, registos, correio publicitário,   encomendas e serviços financeiros. Estava tudo  a nosso cargo. No meu caso eram os chamados "finos", as cartas, os postais, os registos,  etc..

Não existiam computadores. Os relatórios e memorandos eram escritos à mão e depois passados à máquina numa "poole" de dactilógrafas que era comum aos quatro.

Pois num desses dias, já mais para a noite do que para o final da tarde, desci à contabilidade onde reparei que o Sr. Magalhães ainda trabalhava, com os seus "manguitos" enfiados para proteção da camisa, aparentemente a fazer contas de cabeça com o seu lápis de estimação, tendo à frente a fita impressa da máquina eléctrica.

Questionado sobre o porquê da operação a horas tão tardias,o notável funcionário logo me disse:

-" Eu cá desconfio desta coisa das máquinas eléctricas! Quando acabo o trabalho fico aqui mais um bocado a refazer as contas todas à mão,  para ver se a "gaja" se enganou!"

Bons Tempos!

quarta-feira, agosto 03, 2016

Resquícios (bons) do Passado



Com as circunstâncias que a situação da minha "santa" envolve, muitas vezes necessito de deixar "farnel" em casa antes de sair.

O problema é que saio antes das 7.00 da manhã... E torna-se difícil (ou impossível) encontrar pastelarias abertas antes dessa hora.

Quando andávamos na faculdade lembro-me que a Teresa e eu (vindos no velho "50" de Algés) muitas vezes fazíamos fila na "Gondola", ali ao Campo Grande, que era o único poiso perto do ISCTE para o café da manhã, abrindo por volta das 7.00h.

Foi há mais de 40 anos (nem quero acreditar...).

Outros locais de abertura  a essas horas matinais se calhar ainda existem em Lisboa. mas para quem mora no concelho de Cascais o problema é mais complicado.

Ou seria, se não fosse a existência da antiga pastelaria "Novo Dia" , no Monte Estoril. Aberta desde 1943!

O Sr. Euclides e a sua família já estão de volta dos fornos por volta das 6,30.  E nunca deixam sem avio quem por lá aparecer a essas horas. Embora a hora oficial de abertura seja às 7,00.

Está claro que nos Sábados e Domingos corre-se o risco de encontrar por ali a malta da "night" a precisar de reconforto depois de deixar a "Jezebel" ou outra que tal. Mas nos dias de semana só mesmo os trabalhadores à moda antiga por ali se apresentam antes das 7.00.

Daqueles trabalhadores que ainda presenciei noutros locais (lá está, há 40 anos atrás) a pedirem ao pequeno-almoço um "pãozinho com manteiga e um bagaço".  E eu, que bagaço não costumo beber,  muito menos a essas horas...

Mas voltando ao Novo Dia, há poucas coisas melhores do que antecipar a dentada nas coisas boas que estão a sair dos fornos. Estar à espera uns minutos pela fornada dos folhados de carne, folhados mistos , pelos croissants, ou pelas bolas de Berlim, pastéis de nata, etc...enquanto se cavaqueia com os proprietários e se vai bebendo o 1º café do dia.

E logo a advertência: -" Cuidado! Não se vá queimar que tirei agora mesmo do forno!"

Podemos encomendar todo o tipo de salgadinhos (panados incluídos e a bola de carnes à moda de Lamego) para levantar logo pela manhãzinha. Está claro que esperando primeiro que saiam do forno ou da fritadeira. Ali não há sobras da véspera. Tudo o que não se vende é oferecido a várias entidades solidárias.

Fica aqui um grande obrigado a toda  a família "Euclidiana" por este autêntico Munus Publicum que praticam há já tantos anos.

Depois da morte da antiga "Valmar",  apenas a "Novo Dia" e a "Garret" (óptima também, num registo mais "posh" e finório, basta olhar para a raça dos cavalos "amarrados" à porta) mantém a antiga tradição dos bolos finos no Estoril.

E na altura do Bolo-Rei venha o diabo e escolha se devemos levar o do "Novo Dia" ou o da Garret"...O próprio Presidente da República actual já confessou ter também esse dilema.

Claro que os nativos têm um truque para decidir.  Mas essa revelação ficará para mais tarde...

segunda-feira, agosto 01, 2016

O Galo do Campo



Está na moda ( ou devo escrever "de moda") todo o restaurante arvorar o termo "pica-no chão" para descrever o arroz de cabidela de galo (ou de galinha) que apresentam na sua carta. Naquelas casas só se serve galo da quinta alimentado a milho e "andante". Quanto muito alguma galinha criada à mão e na "província"  também.

Recorda-me com saudade os tempos em que o que estava na vanguarda era o "porco preto". Não sei se se lembram, mas não devia haver em toda a Península Ibérica porcos pretos suficientes para tanto "secreto", "pluma" ou "lombinho". De porco...preto...

Obviamente que como o animal depois de esfolado e de se lhe cortarem as unhas é mais ou menos igual ao primo pobre (o branco) na carnadura, era difícil, para já não dizer impossível, ter mesmo a certeza do que estávamos a comer... Por isso e porque a imaginação tem muita força, podiam estar os comensais a banquetear-se com umas febras do Montijo retiradas de algum porco "chino"  alimentado a ração, que pagariam por "porco preto de montado" e - pior ainda - deveria saber-lhes ao mesmo.

E era bem feito.

Lá "montado" o "chino" poderia ter sido, em pequeno, pelo irmão que do lado mamava... mas fora isso nada.

Mas voltando à vaca fria, que por acaso é galináceo. Existirão galinhas, galos, galarós, ou até galetos do campo (campo mesmo, não me refiro à quinta da Marinha) em número suficiente para tanta panela citadina?

Duvido.

Mas então, perguntarão os mais crédulos, como arranjam estes senhores o sangue que entra neste tipo de confecção??

Já se compram animais  com sangue nos supermercados, a chamada "galinha do campo", que por lei tem de ser criada  ao ar livre e que leva 90 dias de criação face aos 30 dias do frango de aviário. Para terem a certeza saibam que são aquelas galinhas que se vendem com patas e cabeça nas embalagens.

E na falta de sangue, ou quando este é pouco? Avança o de porco, que é pau para toda a obra... Tanto aqui nas cabidelas como no arroz de lampreia.

E calo-me porque já escrevi de mais hoje. Pôrra que ainda me fazem a folha. E não me dá jeito nenhum emigrar nesta idade.

Galos de 2 anos e meio, criados à mão quase como se fossem da família? Isso é para quem tem avós na terra e (já agora) dentes sãos e sem mácula. Porque os gajos são mais rijos que os cornos dos bois.