segunda-feira, agosto 31, 2015

Chegar aos Sessenta



Uma piada engraçada sobre “fazer 60 anos” é a que diz que ainda conseguimos correr atrás de um romance, mas já só em plano inclinado, para baixo. E levamos tanto tempo que, quando apanharmos as queridas, já não sabemos bem para que é que as queríamos…
Também gosto de uma com que nos consolamos imenso ”Sou quase 20 anos mais novo do que o Mick Jagger pôrra!”

Mas se descontarmos essas, as outras  que pululam nos sites especializados são um bocado maldosas:

 -“Não há tampo de mobília em casa que não tenha um par de óculos bifocais em cima!”
-“ Os filmes da minha vida são aqueles em que os actores estão todos a fazer tijolo”
-“Escolho cada vez mais o restaurante por causa do parque de estacionamento”
 -“Em cada médico, um velho amigo!”
- “A minha música alta nem o cão acorda”
-“Deixei de ir à praia. As manchas do fígado têm a mesma cor e duram todo o ano!”
-“ As ciganas agora lêem-me a sina na cara!”
- “As gengivas estão de tal forma retraídas que acham que nasci na Transilvânia”.
- “Queimo sempre os cabr*** dos dedos quando tenho de acender todas as velas do filho da pu*** do bolo de anos!”

Deixando essas bocas para trás devo dizer que me sinto bem com os meus “sessentas”.
Continuo com a maior parte dos defeitos que tinha quando era (mais) novo, e francamente não consigo descortinar nenhuma das qualidades que pretensamente a idade traria consigo…

Muito Importante: tenho os dentes todos que Nosso Senhor  decidiu dar-me durante a vida,  excepto os sizos que me foram retirados por um inimigo à falsa fé, disfarçado de médico dentista. E nem um pedacinho de chumbo existe na minha boca! Sem contar quando como alguma perdiz, das de caça, o que é infelizmente cada vez mais raro…

Como e bebo de igual forma, tal e qual como quando tinha 40 aninhos.  Do ponto de vista gastronómico até acho que aumentei as minhas capacidades discriminatórias desde que assentei arraiais à beira dos fogões.

Não sou, nem aparentemente virei a ser, mais cauteloso e mais sábio. Essa “sabedoria da idade madura” passou por mim (se é que passou) mas nunca parou…Assustou-se com o que viu.

A maleita que mais me aflige é a fdp da dor ciátic*** . Que não convém referir explicitamente porque ainda acorda. Fora isso – e que é grande “pincel” – não tenho achaques, nem me queixo de nada.

Até sou de opinião que aos sessenta começa a vida. Pode ser “outra vida”, claro, mais lenta, mais compassada, mas não menos importante.

Fazem 60 anos em 2015 alguns rapazes com bom aspecto:  Billy Idol, Bruce Willis, Kevin Costner, Jeff Daniels, Bill Gates (quer dizer, o Bill Gates não tem muito bom aspecto, mas com o brilho dos biliões quem é que liga a isso??).

E se pensarmos bem, J.R.R. Tolkien apenas viu “The Lord of the Rings” finalmente impresso aos 62 anos, Georg R.R. Martin (“Game of Thrones”) tem actualmente 67 anos, goza que se farta a “matar” as suas personagens principais e ainda não sabe bem como vai terminar a saga…E Nelson Mandela só foi Presidente aos 71 anos.

A única coisa que me preocupa é aquela história da senhora de sessenta que começou  a fazer “running” com essa idade e todos os dias corria mais uns metros, de tal forma que a partir dos 65 anos a família nunca mais a viu…

Tal como Churchill defendo-me dessas ocorrências estranhas evitando qualquer tipo de actividade física não essencial.
Na definição de “essencial” está o segredo… Eu tenho a minha. Os leitores terão as vossas.

Et vive la différence!

Nota Final: Muito Obrigado a todos os que se lembraram desta ocorrência...

sexta-feira, agosto 28, 2015

Para Descansar a Vista...refastelado ao sol



Em Portugal encontra-se conforto com as pequenas coisas. Agora é a notícia sobre a investigação da PJ no Estádio da Luz.
Segundo os benfiquistas, estarão à procura de alguma coisa lá deixada pelo Mister JJ, que se esqueceu de esvaziar o cacifo quando foi embora...
De acordo com todos os restantes simpatizantes do desporto-rei, o que estará em causa são antigas histórias de pneus a pintar de branco o alcatrão.

Enquanto os jornais se vendem neste dia de sol e de calor (pelo menos aqui em Lisboa e arredores) fará bem lembrar que o Verão ainda não acabou.

Da grande Sophia aqui deixo "Dias de Verão":

Dias de Verão

Os dias de verão vastos como um reino
Cintilantes de areia e maré lisa
Os quartos apuram seu fresco de penumbra
Irmão do lírio e da concha é nosso corpo

Tempo é de repouso e festa
O instante é completo como um fruto
Irmão do universo é nosso corpo

O destino torna-se próximo e legível
Enquanto no terraço fitamos o alto enigma familiar dos astros
Que em sua imóvel mobilidade nos conduzem

Como se em tudo aflorasse eternidade

Justa é a forma do nosso corpo.


Sophia de Mello Breyner Andresen

quinta-feira, agosto 27, 2015

Gazprom?



Ontem à noite, lá em casa,  a situação tornou-se penosa...

Bem sei que as minhas simpatias são mais vermelhas que verdes, mas tendo ao lado  um adepto leonino há que me adaptar às circunstâncias.
Normalmente sou do Sporting (embora me custe, mas é a bem da paz social) em todas as situações que não conflituam com o meu Benfica, nem com o meu Estoril. Caso dos jogos internacionais, como foi o de ontem.

O CSKA Moskva teve a sorte do seu lado? A sorte e um empurrãozinho dos srs. árbitros...

Em Lisboa e em Moscovo. Sempre a  decidirem para o mesmo lado em caso de dúvida. Dá para desconfiar. E assim  ganha o CSKA o acesso à Champions.

Quem patrocina o CSKA? A Gazprom.

O que é isso de Gazprom?

A Gazprom é a maior empresa da Rússia e uma das maiores do mundo.

Levou uma grande cacetada com a crise que está a opor a Federação Russa ao Ocidente?

Pode ser que sim, mas não deixa ainda de ser a maior exportadora de gás natural do mundo e uma das 20 maiores empresas no ranking da Forbes.

O seu CEO, Alexei Miller, sempre se deu bem com o poder. Leiam aqui o perfil feito pela mesma Forbes:
"Alexei Miller runs gas giant state-owned Gazprom, Russia's No. 1 company ($164.6 billion in sales). It helps to know people in high places. In addition to working under President Vladimir Putin in the St. Petersburg mayor's office in the 1990s, he worked alongside Dmitry Medvedev, Russia's PM, in the early aughts. Miller and Gazprom were spared from the U.S. economic sanctions list imposed in the wake of the Ukraine crisis earlier this year."

A Companhia do Gás gosta de futebol e  patrocina directamente:  Shalk 04, Zenith, CSKA, Red Star Belgrado, Chelsea F.C. 
E ainda é um "Official Partner" da UEFA Champions League. 
E também é um Official FIFA Partner , including the FIFA World Cup 2018.

Leiam este excerto de um artigo do alemão Manuel Veth, ao qual o autor chamou - "A libertação do Kraken": 
Gazprom does not invest in football merely to promote its image at home or abroad. Rather, Russia can use these investments to directly influence the decision-making processes of major clubs. Like a kraken, the company is therefore able to spread its tentacles into the decision making processes of, for instance, one of England’s largest sporting clubs, which ripples into the overall affairs of the Premier League and the Football Association..
In a way this process is reflected in other economic spheres as Gazprom has been able to infiltrate major energy companies in Western Europe through minority stakes. Through these minority investments Gazprom, in theory, has the power to influence policy decisions in countries like Germany, France, and the United Kingdom."
Dito isto tudo, não me vou embora sem dizer que o JJ   não arriscou e quis defender quando devia atacar e esmagar. Culpa do árbitro não desculpa  a culpa do treinador.
E, por acaso, até gostei de escrever isto. Por ser verdade e por eu ser benfiquista.

quarta-feira, agosto 26, 2015

A China constipou-se?




O "dragão" chinês anda  constipado há uns dias. O problema é que a constipação piorou e alastrou a outras praças, orientais e ocidentais. Este artigo diz muito sobre o tema, numa perspectiva financeira global:

http://www.marketwatch.com/story/more-volatility-for-asian-markets-as-shares-in-china-japan-slide-2015-08-25

Razões para esta queda abrupta de mais de 27%!!??

Principalmente o facto do mercado de acções estar a viver de empréstimos...Os bancos emprestavam aos particulares e estes compravam a crédito. A valorização não era baseada em critérios saudáveis e quando os bancos começaram a pedir o dinheiro de volta - parece que forçados pelo Banco da China a fundamentar com alicerces sólidos o volume de crédito concedido -  a única forma de os reembolsar foi ...vender as acções a qualquer preço.

Apesar do susto, alguns analistas são mais prudentes a avaliar as consequências. Vejam aqui a análise da BBC-Brasil (Andrew Walker):
"A China é agora uma força tão grande na economia global que um desaquecimento brusco inevitavelmente afetaria o resto do mundo. É a segunda maior economia e o segundo maior importador de mercadorias e serviços comerciais.
Mas o impacto financeiro direto da queda dos preços das ações na China é moderado. Não há investimento estrangeiro suficiente no mercado chinês para que isso se torne um grande problema. A consultoria Capital Economics, de Londres, diz que estrangeiros possuem apenas 2% das ações.
A questão maior é se esse movimento expõe a desaceleração econômica da China, uma preocupação que foi reforçada pela desvalorização da moeda local, o yuan, no início deste mês."
Uma das consequências que se evidenciam, talvez pouco esperada, é a apreciação do Euro face ao USD. Más notícias para as nossas  Exportações... E provavelmente o adiamento da decisão do FED de aumentar os juros como vinha prometendo.  O Banco Central Europeu é que não se livra de continuar a actual política de estímulos à economia, comprando sempre que pode dívida dos países mais "aflitos".
Há grupos chineses com fortes posições na economia portuguesa (e o Novo Banco à espera de "dono").  Poderá ressentir-se a política de investimento dessas empresas em Portugal e  no resto do mundo. E se o Estado não compensar? Lá se vai pelo ralo do lavatório a melhoria nos  indicadores do emprego...
Em Portugal, nas vésperas da campanha eleitoral, esta situação beneficia quem?  Menos investimento, menor campo de manobra para as exportações, menor criação de emprego?
Grande nau, grande tormenta. Mas como se trata de uma "chata" ou de um "charuto" - caso da nossa economiazinha - pode ser que estes abanões dos gigantes nos passem por cima da cabeça sem mal maior. Mas não juro, nem aposto...
E se os males anunciados se concretizarem, quem ganhará com isso é a "oposição". 

terça-feira, agosto 25, 2015

Consumir com moderação



O estado das finanças de muitos de nós torna relativamente redundantes aqueles avisos que nos chegam em algumas embalagens sobre "consumir com moderação".

Numa das séries de culto da HBO - a 2ª temporada de "True Detective" - o gangster "bonzinho" (por comparação com os gangsters "mauzinhos" e com os outros gangsters "maus até mais não") passa a vida a emborcar Johnnie Walker Blue Label.

Bebe-o de manhã, à tarde e à noite. Bebe puro e com água e gelo (sacrilégio!!). Até bebe pela garrafa!!

A série não deixa de ser muito boa (como já foi a 1ª temporada) numa versão moderna do film noir, onde nunca se sabe bem se estamos a torcer pelo polícia mau, pelo gangster bom ou por nenhum deles.  O que  não impede que a Diageo (dona da marca Johnnie Walker) investisse fortemente no product placement desta série.

Eu gosto de JWBlue uma vez por outra, em boa companhia. A cerca de 170€ cada garrafa também não daria para muito mais.

Mas este é apenas um exemplo. Muitas  bebidas espirituosas no nosso mercado vêm rotuladas com essa injunção ( e bem).

Os vinhos também devem ser "consumidos responsavelmente e com moderação". Idem para com as bebidas com açucares, mas também igualmente para os refrigerantes "Zero", "Diet" e "Light"...

Um dos especialistas em nutrição mais conhecidos do país vai mais longe e postula: "Deve-se comer e beber de tudo com moderação".

A "moderação" também é aconselhada no consumo da Televisão, do PC, dos tablets e smartphones.

E noutras coisas ainda.

Por exemplo, deve o sexo ser "consumido com moderação"?  Tenho dúvidas sobre isso.

Quando somos novos mandamos este tipo de "moderação" para casa do diabo mais velho.

Mas chegando a uma certa idade o caso já não é de "usar moderação", mas sobretudo de ter "inclinação"... E as mais das vezes essa "inclinação" tanto é  para cima como, infelizmente, para baixo...

Um pai extremoso dos anos sessenta do século passado aconselharia o filho a "ir às pu*** com moderação". 

Um pai extremoso de hoje diz-lhe "passa menos tempo nos sites porno da net grande cab***!".

O pai dos anos 50 juntaria mais uma  injunção "De tanto mexeres no coiso ainda ficas cego  meu animal!". 

O dos anos 60 nada diria sobre a pretensa cegueira causada pela manipulação. Está mais evoluído e ciente do desenvolvimento da moderna medicina.

Mas o pai actual volta à mesma consequência: "De tanto olhares para o fdp do computador ainda ficas cego minha besta!"

O mundo é estranho mas não deixa de ser redondo...

segunda-feira, agosto 24, 2015

Vitela de Arouca





Logo que acabou o jogo de ontem à noite vários amigos referiram nas redes sociais que hoje não seria possível comer vitela em Arouca, já que as vacas tinham todas sido levadas para Aveiro. A manada fora estacionada à frente da baliza de Bracaldi, para ir pastando a relva durante os 95 minutos...

A ideia fez sorrir (amarelo) os benfiquistas, mas não só dá fraco consolo como não  traduz uma ideia correcta. O Arouca ganhou bem e com as armas que tinha à mão de semear. David também matou Golias à distância e não se ouviu dizer que tinha feito batota nem foi acusado de comportamento anti-desportivo. O que interessa, na política como no futebol, são os resultados. Hélàs...

Esta derrota levou-me a pensar na magnífica vitela de raça arouquesa e das saudades que tenho de novamente a provar.

Entende-se por CARNE AROUQUESA , as carcaças ou as peças embaladas e refrigeradas obtidas a partir de animais da raça Arouquesa, inscritos no Registo Zootécnico, filhos de pai e mãe inscritos no Registo Zootécnico da Raça Bovina Arouquesa.  As Vitelas para consumo são as carcaças de animais abatidos entre os cinco e os nove meses de idade, com um peso compreendido entre 70 Kg e 135 Kg.

Já premiada com o grande prémio da exposição de Paris de 1878 (não me perguntem como é que a carne lá chegou, se calhar foi a pé sendo vitela e quando viu a Torre Eiffel já era vaca)  esta carne deve a sua grande qualidade aos pastos e ao tipo de criação, em extensão e sempre caminhando. Quando o pasto fenece são alimentadas pelo lavrador a pão, milho e feno escolhido.

Trata-se de animais livres de todo e qualquer stress (podemos ler no site da Associação de Produtores).  Quantos dos outros animais (incluindo o que está a escrever) podem dizer o mesmo?

Na Gralheira (Serra do Caramulo, perto de Cinfães) , existe o clássico restaurante Encosta do Moinho onde comi esta carne de vitela arouquesa assada no forno, com o famoso arroz de enchidos tradicionais. É uma casa muito recomendável , onde a cozinha é feita ao sabor do tempo e daquilo que a horta e os prados locais permitem apanhar.  
Não se assustem por também servirem pizzas...Podem ler aqui mais detalhes:
http://www.roteirododouro.com/restaurantes/restaurante-encosta-do-moinho

A Confraria da Carne Arouquesa recomenda seis formas de preparação:   a vitela assada no forno, os bifes "Alvarenga", a posta arouquesa, os medalhões e a espetada de vitela arouquesa, a vitela arouquesa na púcara e as costeletas de vitela arouquesa grelhadas. 

Em Lisboa a Arouquesa em peça, para comprar e fazer em casa, já pode ser encontrada em vários locais. O Talho Confraria (Parque das Nações) é uma boa opção.  

E quanto a restaurantes? Sem falar nas deslocações óbvias ao solar da raça, o "Restaurante Paparico" no Porto e o "Restaurante Átrio" do Casino de Lisboa (jantares) têm esta carne.   Outros haverá em Lisboa e arredores, mas se não experimentei, nem conheço , deles não falo. 

sexta-feira, agosto 21, 2015

Para Descansar a Vista...falando sozinho



Não sei se repararam que há cada vez mais pessoas a "falarem sozinhas". Ainda hoje passei por um homem a caminho da Versalhes que falava baixinho para ele próprio. E em ucraniano (segundo me pareceu).

Eu falo muitas vezes sozinho, sobretudo no banho . Tenho a mania de cantar debaixo de água quente. Se for fria só dou berros. A minha canção de hoje foi "I've got you under my skin". Mas a mais normal, a que repito mais vezes,  é o velho clássico "My Way".

Os psicólogos e outros especialistas dividem-se sobre a matéria. Uns dizem que é saudável falarmos em voz alta para nós próprios. Noutros sites aparece este sintoma como um sinal precoce de demência ou psicose...

É um pouco como o tratamento para os ligamentos e lesões musculares. Uns fisiatras aconselham água quente, outros aconselham gelo... A média seria água morna.

Recorro à minha mestra Sophia  para vos "emprestar" o curto mas belíssimo poema desta sexta feira. É, inevitavelmente, sobre as palavras. Haja respeito pelo que dizemos.
Ou uns aos outros ou a nós próprios...

Com fúria e raiva
Com fúria e raiva acuso o demagogo 
E o seu capitalismo das palavras 

Pois é preciso saber que a palavra é sagrada 
Que de longe muito longe um povo a trouxe 
E nela pôs sua alma confiada 

De longe muito longe desde o início 
O homem soube de si pela palavra 
E nomeou a pedra a flor a água 
E tudo emergiu porque ele disse 

Com fúria e raiva acuso o demagogo 
Que se promove à sombra da palavra 
E da palavra faz poder e jogo 
E transforma as palavras em moeda 
Como se fez com o trigo e com a terra 

Sophia de Mello Breyner Andresen, in "O Nome das Coisas" 



quinta-feira, agosto 20, 2015

Levanta-se o vento


As Asas do Vento (2013) Poster

Ontem à noite descansei depois de  duas noites de pesquisa sobre temas relacionados com o trabalho.

Numa decisão revolucionária,  tanto o meu senhorio como eu ficámos em casa a ver uma obra-prima do cinema animado: "The Wind Rises", do mestre Hayo Miyazaki.

Cerca de duas horas de "desenhos animados" não será muito?

Não é não senhores! O filme deslumbra pelo luxo que emana das pranchas,  todas  desenhadas à mão, uma a uma. Cores deslumbrantes, ambientes nítidos e envolventes, uma história contada na primeira pessoa com moral algo duvidosa, mas que nos emociona e não deixa ninguém indiferente.

Este filme começou por ser considerado (em 2013) o canto do cisne do grande mestre japonês, que tinha 73 anos quando o mesmo estreou. Mas, segundo parece, Miyazaki já terá dado o dito por não dito e estará de novo sentado ao estirador... E ainda bem,

A história é a da vida do engenheiro aeronáutico japonês Jiro Horikoshi (1903–1982), mais conhecido no ocidente por ter desenhado o caça de ataque Mitsubishi Zero, utilizado na WWII.

A "moralidade duvidosa" do filme consiste nisso. O génio da engenharia aeronáutica nunca se preocupa muito em saber  com "quem vamos lutar" , nem sequer "porquê". Para ele a realidade tinha apenas a ver com a necessidade de pôr um avião a voar. O melhor avião possível.

 Horikoshi é considerado um dos génios da aviação militar, de todos os tempos e países, porque conseguiu à custa de improviso e de soluções muito arrojadas , totalmente inovadoras para a época, fazer o Japão ultrapassar o atraso no seu desenvolvimento e "saltar" dois ou três degraus passando directamente para o conjunto dos países mais avançados na área em causa.

Só para percebermos o desnível entre o Japão quase feudal ainda e a Alemanha que se preparava para a 1ª Grande Guerra, quando Giro visitou a principal fábrica de aviões da Junckers, em Dessau, admirou-se por não ver os estábulos para os bois. 

Porquê? Porque no Japão ainda eram juntas de bois que puxavam os aviões dos hangares para as pistas de descolagem. 

Independentemente da história, esta é uma obra de arte magnífica. Um filme que temos pena que não exista em livro, para podermos perder tempo a admirar aquelas pranchas todas, magnificamente desenhadas e pintadas.

O título do filme tem a ver com o poema de Paul Valéry "Le vent se léve!...Il faut tenter de vivre!"

Este filme teve 39 nomeações para prémios cinematográficos e ganhou 34, apesar do tema ser um pouco estridente para franceses, britânicos e americanos.

Recomendo em absoluto.

quarta-feira, agosto 19, 2015

O prato da discórdia nacional: Quem inventou os Rojões?





Comem-se Rojões por todo o país.

Os mais famosos são os do Minho, onde em muitas terras (Ponte de Lima, por exemplo) são conhecidos por "Sarrabulho".
Há-os depois nas Beiras, desde Seia e Gouveia até Aveiro. A antiga Estremadura e o Grande Pinhal  Interior do Centro não se livram deles.
Vamos por ali abaixo e logo aparecem no Alentejo , Alto e Baixo. E também se comem no Algarve serrano.

O nome é enganador. Tanto pode significar "foguete", como "vara de bois", como o acto de "arrastar pela terra" (rojar).

Em culinária é "bocado de carne de porco ou redenho do mesmo, frito na própria gordura". Mas também pode ser um "torresmo", um pedaço de toucinho bem frito. Para complicar ainda mais há regiões de Portugal onde se chama "torresmo" ao "rojão" da perna ou do lombo...

Em conversa chã, entre amigos, é uma parvoíce  estar à espera de saber quem é que pela primeira vez neste abençoado país se entreteve a fritar carne da perna ou do lombo de porco aos bocados, sem ser às fatias do tipo "febras"...

A imaginar  pela minha experiência deve ter sido um homem. Porque são mais preguiçosos a trabalhar com a faca e é mais fácil migar em cubos do que fatiar. Mas são apenas suposições.

Chamar "Rojões" à simples carne frita aos cubos também não sei se poderá ser considerado muito canónico...

Lembro-me sempre da Adega dos Macacos,  onde para conter os preços evitavam colocar ameijoa na travessa e  inventaram um prato a que chamavam "carne de porco frita à portuguesa".

O que tinha? Tudo igual à "Carne de Porco à Alentejana" ou, mais propriamente , à "Carne de Porco Alentejano com Ameijoas" , menos ... as ameijoas.  Era assim uma espécie de "sandes de buracos de queijo sem pão".

Do que sei e do que comi ressalvo o enorme "poema porcino" que é o Sarrabulho na Casa Carvalheira de Ponte de Lima. Tem tudo. Belouras, tripa enfarinhada, sangue cozido, fígado, castanha e carne da perna de Bísaro. Sem esquecer o magnífico arroz de sarrabulho, feito com o sangue, com laivos de cominhos e cravinho, resultante da lenta cocção de várias carnes (porco, vaca, galinha, enchidos). Para mim deveriam ser estes os verdadeiros Rojões.

Os "Rojões à Alentejana", também  - ou até mais - conhecidos como "Carne de Porco Alentejano com Ameijoa", são magníficos quando os conseguimos apanhar na época da matança,  na afamada casa dos irmãos Fialho, em Évora.

Lembro-me ainda dos Torresmos com Molho de Fígado, que são uma iguaria açoriana, pedaços de boa carne de porco confitada em banha, que se retiram do pote para fritar na altura de comer. Mas estes comi-os em casas particulares, não sei recomendar restaurante que os sirva hoje.

 Eram tipicamente um petisco "de taberna". Mas sublimes na sua simplicidade.

Do resto não tenho memória gastronómica.

Dependendo da qualidade do porquinho - porco alentejano ou bísaro dominam -  é normal que nos saibam a manjar de deuses  os pedaços de carne bem fritos em banha ou em azeite (esta preparação é mais da Beira Alta) com pimentão, sem pimentão, com mais ou menos malagueta.

Em minha casa faço às vezes esta "carne frita".

Escolho o cachaço porque tem gordura intersticial adequada e é muito tenro. Deve ser cortado aos quadrados não muito pequenos. Em redor de 4 cm de lado.

Tempero de véspera com massa de pimentão feita pela minha sogra, alho, salsa e vinho branco. Uns momentos antes de fritar ponho o sal. Frito sempre em banha, acrescentando na frigideira uma colher de pimentão doce para dar mais cor.

O mais importante neste prato é garantir a alta temperatura da banha e evitar que o molho do tempero vá para a frigideira. Para estarmos seguros disso (os quadrados de carne têm de fritar e não cozer) devemos passar a carne temperada por um escoador antes de  a fritar. E substituir a banha sempre que necessário.

Acompanho com batatas bem fritas aos cubos e com umas cebolinhas de conserva.

Qualquer tinto novo sem "manias" fica aqui bem. Tentem um Ermelinda de Freitas Quinta da Mimosa 2012, ou um José de Sousa, Alentejano de boa cepa, agora feito pela casa JMF,  do mesmo ano. Ambos podiam ser comprados a menos de 10€.

terça-feira, agosto 18, 2015

Ai Jesus!



"Heaven has no rage like love to hatred turned, Nor hell a fury like a woman scorned,"

Muitos atribuem a Shakespeare (1564\1616) esta frase famosa. É mentira.  Foi cunhada por William Congreve 100 anos depois, na sua peça de teatro  "The Mourning Bride"  (1697).

Usamos a frase para explicar que depois do amor, e tendo a relação terminado mal e abruptamente, o sentimento que perdura é forte e extremamente negativo. 

Jorge Jesus e o Benfica viveram um idílio de 6 anos, com altos e baixos, como todos os casamentos. Chegados à ruptura não houve discernimento suficiente para acabar bem com o assunto e rumar a outra vida , com a cara lavada e as mãos bem limpas.

No rescaldo houve amargura e precipitações. Estas escalaram, passaram de simples " bocas" mais ou menos inofensivas a "provocações" de carácter mais sério. E hoje estamos todos perto de resolver o assunto em tribunal.

Um verdadeiro divórcio litigioso! Mas dos perigosos! Com raiva e ranger de dentes. E os jogadores do Benfica fazem as vezes de "filhos" entregues à tutela da "mãe", abandonados que foram pelo "pai". 

Numa relação contratual , qualquer que ela seja, há normas para começar e normas para acabar. Num caso como este, em que se fala de milhões de euros anuais de vencimentos\prémios\ incentivos, ainda mais curial seria terem todos o cuidado de acautelar situações futuras de conflito.
Parece que o fizeram e que existe um contrato com cláusulas adequadas. 

Como em muitas ocasiões, o problema vai ser o da interpretação das ditas cláusulas... 
Se a Justiça fosse uma coisa simples o O. J. Simpson não tinha sido ilibado no processo criminal e depois dado como culpado no processo civil, exactamente pelos mesmos factos...

Entretanto o SLB descarrega para cima de JJ a ameaça dos 7,5 milhões de euros, "vingando-se" com esta desestabilização do visado  - em vésperas de um importantíssimo jogo com o CSKA Moscovo - do (alegado)  caso dos SMS's que teriam "afectado" os meninos jogadores vermelhos antes da Super Taça.

Para o SLB a manobra de fuga para Alvalade deveu-se a  um "chico-espertismo de um deslumbrado". De alguém que "acha que é melhor do que Mourinho mas nunca nada fez de jeito na Champions".
http://expresso.sapo.pt/desporto/2015-08-17-Chico-espertismos-de-um-deslumbrado.-Benfica-processa-Jesus-em-75-milhoes

Para o SCP (melhor dito, para o advogado de JJ) "o processo não vai dar em nada! Estamos de consciência tranquila!"
http://www.ojogo.pt/Futebol/1a_liga/Sporting/interior.aspx?content_id=4734130

 Depois da vindima temos ainda o lavar dos cestos. E vai haver muita, mesmo muita roupa suja , para pendurar à vista de todos. Vale a pena? 

A pergunta que  apetece fazer é simples e digna das grandes teorias da conspiração:

Quem manobrou estas coisas de forma a que, em vez de falarmos e discutirmos o que é importante para o país e para os portugueses neste momento fulcral, passemos a vida a falar destas "trampinhas" da bola nas TV´s , nos jornais e  (pior ainda) em muitas casas e tertúlias de amigos? 

Até eu aqui perco tempo com isto...

O futebol joga-se nos campos de futebol, as disputas resolvem-se lá dentro, com onze para cada lado e mais três tipos a assobiar . Umas vezes ganha-se, outras perde-se. Nuns dias saímos cabisbaixos, com dor de cor**, noutros saímos com os pauzinhos esticados ao ar e sorriso aberto.

Fazer disso uma questão nacional que tira os cidadãos do sério?

Haja santa paciência! Antes a polémica dos "cartazes".

segunda-feira, agosto 17, 2015

Os Burros





O "burro" de quatro patas está mal representado em Portugal. Segundo os especialistas da matéria apenas uma raça de burro (de quatro patas) existe em Portugal.
Atualmente, estão oficialmente reconhecidas em Portugal como "autóctones" 15 raças de bovinos, 15 de ovinos, 6 de caprinos, 3 de suínos, 3 de equinos, 4 de galináceos, 1 asinina e 10 de cães. 
O único burro português é o Burro de Miranda , conhecido por "burro lanudo".  Para mais detalhes sobre os projectos de recuperação desta antiga raça de burros ( em perigo de extinção) podem ver aqui:
http://www.wonderfulland.com/wonder2006/lazer/burroslanudos/index.htm

De acordo com o grande especialista Ruy d’Andrade, investigador ligado ao estudo das raças autóctones de equídeos, havia cerca de 275 mil burros em solo luso no início do século XX; no final  da década de 90  estavam apenas 40 mil animais recenseados; actualmente estima-se que sejam menos de dez mil.

O "burro" não tem o charme nem a aptidão física do cavalo para o desporto e para o lazer. Por outro lado também acabaram os seus anos de "tractor agrícola" e fonte de fertilizante natural. 
A dimensão contida nunca o poderia transformar em fonte de interesse promocional das grandes cervejeiras, como o "primo gigante" Clydesdale, que hoje ganha a vida a fazer anúncios da Budweiser.
Resta-lhe sobreviver em "quintas biológicas", como abencerragem de um passado em que já foi um dos melhores amigos do pequeno lavrador.

No Estoril velho ainda me lembro da minha avó comprar leite a  uma leiteira que vinha ter connosco de burro, trazendo de um lado e do outro do animal as bilhas do leite, um pouco como ainda hoje vemos nos Açores. E talvez não saibam que o local onde o tio Belmiro construiu o CascaisShopping era há 50 anos pastagem de vacas e de cabras, de onde leite e queijos vinham para  as povoações.

Mas hoje o tema era sobretudo entender como do "burro" animal se passou ao "burro" epíteto desprestigiante. Como do simpático (embora teimoso) quadrúpede se passou ao vulgar insulto dirigido à malta de duas patas.

Na história dos insultos na humanidade distingue-se em primeiro lugar  os que comparam homens e mulheres a animais. Desde logo: Asno ou Burro, Boi, Vaca, Cabra, Cabrão, Cadela, e, com mais generalidade, Besta. 
Aparecem  no século X português e espanhol e supõe-se que sejam estes os  mais antigos insultos em qualquer língua. Mais antigos portanto do que aqueles onde se põe em causa a progenitora ou as inclinações sexuais do visado(a).

"Asno del latín asinus, primera documentación 1076, 'mamífero solípedo del género Equus'. Este animal, lento, soso ha sido utilizado como animal de carga, su poca agilidad ha servido como punto de comparación para el hombre de escasa inteligencia."

Obviamente que na altura não se estudava cientificamente a psicologia animal, e por isso supõe-se que a comparação era empírica: se o "burro" era lento no caminhar e no desenvolvimento do trabalho que lhe era pedido (porventura comparando-o com o cavalo) então o "homem-burro" era lento de entendimento e de inteligência limitada. 

Mas isso não explica como parece ser este insulto predominantemente "ibérico" e compartilhado pelos povos do Norte de África, local onde estes animais também  não são muito bem cotados...

De notar que para gregos e romanos (para não falar do Médio Oriente, até com referências na Bíblia!) o "burro" era  tido como animal muito competente e  amável, sinónimo de mansidão, amor ao seu dono e  até  um símbolo de virilidade garantida pela dimensão do "instrumento" (lembram-se de Apuleius,  "O Asno de Ouro"?). 

A explicação que encontro para a utilização do insulto aqui no burgo tem a ver com o facto das tribos do Norte de África e da Península Ibérica terem sido os maiores criadores de cavalos do mundo antigo.  Comparado com o nobre cavalo o paciente e manso burro fica a perder na imaginação humana. Sobretudo para quem vê uns e outros, todos os dias.
Daqui a origem do insulto: burro seria um ser humano inferior, quando comparado com a matriz que era o cavalo de raça berbere, barbo ou ibérico, "filho do vento"; enquanto que o primo pobre burro seria mais o "filho do bafejo",

Burro ainda por cima tem fama de ser anónimo... Todos sabem o nome do cavalo de D. Quixote. Alguém se lembra do nome do burro de Sancho? Eu também não.

quinta-feira, agosto 13, 2015

Para Descansar a Vista...à Quinta



Amanhã tenho uma reunião fora de Lisboa sobre um dos nossos próximos livros temáticos, pelo que não passarei por aqui.
Aqui vai então o habitual momento de poesia. Mas antes uma pequena reflexão.

Alguns amigos têm-me dito que estes Posts com o poemazito das Sextas Feiras são "piegas", "pegajosos" e "languinhentos".  Só falta chamarem-lhes "mariconços"... O que não se atrevem devido aos tempos que correm.

A esses amigos (com quem tenho a familiaridade suficiente para dizer o que segue) afirmo, tal como Xico Anísio aos seus detractores que o acusavam de ter um programa demasiado comercial na TV:
 - "Comercial é a Mãezinha"!

Vamos lá então ao poema, doa a quem doer (os c**** ,ou coisa pior). De meu mestre Eugénio de Andrade apresento um dos grandes poemas da nossa língua. Adeus.

Nota: Este "Adeus" podia ser profecia de muitas coisas, a começar na política e a acabar no futebol... Mas  é de facto um magnífico poema de amor.

Adeus
Já gastámos as palavras pela rua, meu amor,
e o que nos ficou não chega
para afastar o frio de quatro paredes.
Gastámos tudo menos o silêncio.
Gastámos os olhos com o sal das lágrimas,
gastámos as mãos à força de as apertarmos,
gastámos o relógio e as pedras das esquinas
em esperas inúteis.

Meto as mãos nas algibeiras e não encontro nada.
Antigamente tínhamos tanto para dar um ao outro;
era como se todas as coisas fossem minhas:
quanto mais te dava mais tinha para te dar.

Às vezes tu dizias: os teus olhos são peixes verdes.
E eu acreditava.
Acreditava,
porque ao teu lado
todas as coisas eram possíveis.

Mas isso era no tempo dos segredos,
era no tempo em que o teu corpo era um aquário,
era no tempo em que os meus olhos
eram realmente peixes verdes.
Hoje são apenas os meus olhos.
É pouco, mas é verdade,
uns olhos como todos os outros.

Já gastámos as palavras.
Quando agora digo: meu amor,
já se não passa absolutamente nada.
E no entanto, antes das palavras gastas,
tenho a certeza
que todas as coisas estremeciam
só de murmurar o teu nome
no silêncio do meu coração.

Não temos já nada para dar.
Dentro de ti
não há nada que me peça água.
O passado é inútil como um trapo.
E já te disse: as palavras estão gastas.
Adeus.

Eugénio de Andrade, in “Poesia e Prosa” 

quarta-feira, agosto 12, 2015

Atenção às Cartas! De condução...



Fui apanhado nesta história de ter de renovar a carta antes dos 60 anos, não valendo nada aquilo que está escrito e escarrapachado no dito documento de habilitação, o qual adiava para 2020 essa incumbência. E como ainda em Agosto faço os sessenta, fiquei um bocado enrascado.
Ainda pensei que o problema fosse eu ter tirado a carta em Junho de 1974, em pleno período revolucionário. Mas não. A lei mudou e é igual para todos. A malta que se aproxima dos 50, 60, 65 e 70 , tem que tratar da vidinha em relação a esta matéria.

Nada que uma dose de ACP (Automóvel Clube de Portugal) não resolva. Espero eu.

http://www.imtt.pt/sites/imtt/Portugues/Condutores/CartaConducao/revalidacao/Paginas/Revalidacao.aspx

O site atrás indicado é o o local útil para se informarem.

Esta situação trouxe-me à memória a história verídica (embora um pouco "embelezada" pelos cronistas posteriores) da figura de Cascais que foi o Sr. Zé da Ponte. O qual não se deve confundir com o músico algarvio Zé da Ponte, colega de Lena d'Água ,  recentemente falecido.

Pensa-se que o Zé da Ponte de Cascais teria a sua alcunha ligada à  Quinta da Ponte (no Cobre) propriedade da família Villar desde há muitos anos. Local nostálgico para aqueles que - como eu - lá iam no final dos anos 90 ao famoso Bar da Ponte fazer alguns estragos ao fígado e outras "iscas".
Leiam aqui sff um trecho retirado do site dos actuais proprietários:

A Quinta da Ponte foi adquirida em 1940 pelo Comendador Armando Penim Gomes Villar. Deve o seu nome à ponte que se crê ser de origem Romana, e que une desde há centenas de anos a povoação de Bom Sucesso de Alvide (assim se chamava Alvide antigamente) ao Cobre. Por aqui passavam as carroças carregadas de cereais que iam abastecer as azenhas da Ribeira das Vinhas.

Era o Sr. Zé da Ponte um homem da hotelaria, tendo trabalhado naquela escola de bem comer e bem servir que foi o "Restaurante-Bar Fim do Mundo" (hoje  Macdonald's) no largo da estação. Ainda hoje me lembro dos "Franguinhos Primavera" feitos com frangos de quinta, puxados em manteiga e alho, obra de arte do chefe João, que veio depois a exercer o seu métier no Beira Mar. Onde ainda se encontra e é um dos meus cozinheiros de excepção.

Mais tarde Zé da Ponte rumou ao Restaurante Apeadeiro e por ali ficou até passar o restaurante e reformar-se.

Não tinha carta de condução mas toda a vida conduziu.  Ninguém sabia desta situação, a não ser o próprio e talvez a mulher.

Antes do 25 de Abril, e dada a sua condição de restaurador bem relacionado com as figuras mais conhecidas da vida social de Cascais,  entendida horizontalmente - desde a peixeira e o pescador até ao Presidente da Câmara e à malta do Clube dos Milionários da Parada -  andava de cá para lá na sua velha carrinha sem ter problemas. Todos o conheciam, não passava pela cabeça de nenhum polícia mandá-lo parar, quanto mais pedir-lhe a carta. 

Depois veio a revolução, os polícias conhecidos reformaram-se, havia o medo das "G3" em mãos de não se sabia bem quem. E várias operações Stop foram feitas nessa altura em Cascais e no Estoril  para inspeccionar os carros que circulavam na Marginal. 

Uma vez vinha o Sr. Zé no carro com o genro - história que ouvi da boca do mesmo genro - quando se deparou com uma operação Stop da GNR.  Um bocado aflito , pois "o mundo mudara", pediu ao genro que passasse para o volante.  
Mas já não iam a tempo. O genro riu-se e disse-lhe:

-" Sogro, se se esqueceu da carta deixe lá que a podemos apresentar de tarde na esquadra".
 - "Não é isso pôrra!"
- "Então o que é que o está a preocupar?"
- "Não tenho carta!"
- "Mas vamos buscá-la a casa..."
- "Pôrra! Nunca a tirei carago!"


Como conclusão, e para não alargar mais esta história (o intercâmbio com  a GNR  terá sido de gargalhada, com o guarda a pensar que o velhote estava a gozar com ele e com o outro tão aflito que quase perdera a fala) foi feito o auto da transgressão e o processo seguiu para o tribunal.

No dia do julgamento, encontrando-se o velho tribunal de Cascais cheio devido à notoriedade do caso, o juiz perguntou-lhe a idade.

-"73 anos Sr. Doutor Juíz"
- " E tem carro desde que idade?"
- "Desde os 30 anos Sr. Doutor".
- "E nunca esteve habilitado a conduzir?"
-" Não Senhor. Nunca fui para longe. Era só para a minha vida profissional, para ir às compras."
- "E quantas infracções ou acidentes , multas, etc...teve nesse tempo todo?"
 - "Nenhuma Sr. Doutor Juiz".
- "Em 43 anos a conduzir nunca teve qualquer tipo de acidente ou multa?"
- "Saiba que não senhor".
- " Vai absolvido. Tomaram os que têm hoje carta conduzirem como o Senhor!"

Com pedidos de desculpa - sobretudo à família dos visados -  pelas simplificações e traços mais caricaturais, aqui fica esta "estória" antiga de Cascais. 

Pessoalmente acho-a uma delícia!

terça-feira, agosto 11, 2015

Marisco nos meses sem "R"




O Amigo Gonçalves Pereira questionou a ingestão de marisco em Agosto, o que me fez ir à procura das causas desta antiga "injunção", já conhecida desde o século XV pelo menos.

Dois alunos da  Faculdade de Ciências da Nutrição e da Alimentação da Universidade do Porto têm um blog muito engraçado sobre os "mitos alimentares". Recomendo.
É o mythusalimentarius.blogspot.com

Num dos seus posts escrevem sobre os meses sem "R" e quais as razões para evitar comer marisco nesses meses. Afinal parece que os antigos teriam razão, já que nesses meses de Verão mais quentes aumentam em número uns "bicharocos" (dinoflagelados, que existem no fitoplâncton) que são imunes às altas temperaturas da cozedura do peixe e do marisco e podem trazer problemas aos estômago e intestinos dos manducantes.

Embora este seja um fenómeno  recorrente sobretudo na América do Sul, por causa das elevadas temperaturas que a água do mar ali atinge no Verão do hemisfério sul e que dão origem às nefastas "marés vermelhas"

Nota: evitem piadas sobre o Benfica sff. Bem basta o que se viu.

Os amigos bascos e galegos concordam, mas sobretudo referem:

" La teoría por la cual se deben descartar los meses que van de mayo a agosto para comer marisco responde al ciclo reproductor de estos crustáceos. Es durante estos meses cuando estas especies se reproducen, por lo que pierden peso, su carne se vuelve más blanda y a su vez pierde sabor."

Richelieu, sendo rei Luís XIII,  proibiu a recolha de ostras em França nos meses sem "R" (Maio a Setembro). Figuram no real decreto as duas razões: 

- As condições de transporte e conservação existentes na época, que provocavam graves (e mortais) intoxicações; 
- A intenção de proteger as espécies na época da reprodução .

De notar que as razões ligadas ao impróprio estado do fitoplâncton nas condições descritas, tanto são válidas para marisco como para os peixes, já que ambos têm como alimento as algas alteradas devido às altas temperaturas. Quer isto dizer que quem deseja 100% de garantias nem deve comer peixe, nem marisco, de Maio a Setembro...

A não ser que....consuma animais de viveiro, onde as águas são purificadas!

De notar ainda que embora peixe e marisco possam ser afectados, o grande perigo está nos Bivalves! 

O Brasil é um local afectado regularmente, motivo pelo qual as autoridades de segurança alimentar postulam:

Os bivalves são seres vivos que se alimentam por filtragem; ao ingerirem algas com toxinas, como dinoflagelados, ficam, por sua vez, contaminados com toxinas; estas toxinas acumulam-se no interior, principalmente nas suas vísceras. Daí que alguns bivalves mais vulgares, como as vieiras, mexilhões, amêijoas ou ostras, sejam considerados alimentos de alto risco. Além disso, quando ocorre o fenómeno da maré vermelha, ou seja, quando as algas se multiplicam rapidamente e assumem uma maior densidade em determinada zona, aumenta também a possibilidade da existência de algas tóxicas e, consequentemente, a de os produtos do mar na zona afectada apresentarem um maior risco de contaminação.

Estando eu em Moçambique a dar formação aos colegas dos Correios locais, no final dos anos 90,  fui atingido por esta praga da intoxicação por dinoflagelados. Tinha sido convidado para um almoço onde o marisco local foi rei e senhor, na praia de Bilene. Nunca tinha visto camarão e caranguejos tão grandes e em tanta quantidade! Sem referir as dezenas de lagostas-bebés... E como eram grelhados e servidos com bué de piri-piri nem dava para notar pelo sabor que alguma coisa não estaria bem.

O pior foi quando cheguei ao Hotel. Fiquei 48 horas "isolado" no quarto a Imodium Rapid e UL-250... 

Em conclusão: Por aqui, em Portugal e quanto mais se subir para o Norte, menor será esta preocupação com a intoxicação do peixe e marisco devido às águas quentes do Verão. Todavia, estando as temperaturas das águas a subir por via do aquecimento global, nada impede que se apliquem já as precauções normais e de senso comum - frescura dos alimentos, origem conhecida. Evite-se sempre comer bivalves  no Verão,  a não ser que sejam de bancos e viveiros certificados.

quinta-feira, agosto 06, 2015

Descansemos a vista neste dia de má memória...



Amanhã é dia de passear por hospitais com a santa cá de baixo. Por isso não passarei por aqui.

Antecipo  o poema das sextas feiras, mas não o farei sem primeiro lembrar Hiroxima e Nagasáqui, nos 70 anos do opróbrio que lhes foi imposto.

A necessidade de lançar duas bombas, a segunda três dias depois da outra, tem sido posta em causa mesmo por muitos empedernidos defensores da "solução final" da Guerra do Pacífico, os quais consideravam que se devia dar ao Japão a hipótese de se render depois da primeira bomba atómica ter sido lançada sobre Hiroxima.

A explicação oficial era a de que se devia provar ao Japão que os USA tinham capacidade industrial para produzir bombas destas em cadeia. Que Hiroxima não se tratava de um caso isolado.

À conta desta ideia morreram mais 80 000 pessoas.

Para quem se interessa por esta página odiosa da história da humanidade, podem ler mais aqui :

http://blog.nuclearsecrecy.com/2013/08/09/why-nagasaki/

De um grande poeta americano, Walt Whitman,  aqui deixo a  "Lamentação para Dois Veteranos", pai e filho enterrados na mesma campa, no mesmo dia:



The last sunbeam
Lightly falls from the finish'd Sabbath,
On the pavement here--and there beyond, it is looking,
Down a new-made double grave.

Lo! the moon ascending!
Up from the east, the silvery round moon;
Beautiful over the house tops, ghastly phantom moon;
Immense and silent moon.

I see a sad procession,
And I hear the sound of coming full-key'd bugles; 10
All the channels of the city streets they're flooding,
As with voices and with tears.

I hear the great drums pounding,
And the small drums steady whirring;
And every blow of the great convulsive drums,
Strikes me through and through.

For the son is brought with the father;
In the foremost ranks of the fierce assault they fell;
Two veterans, son and father, dropt together,
And the double grave awaits them. 20

Now nearer blow the bugles,
And the drums strike more convulsive;
And the day-light o'er the pavement quite has faded,
And the strong dead-march enwraps me.

In the eastern sky up-buoying,
The sorrowful vast phantom moves illumin'd;
('Tis some mother's large, transparent face,
In heaven brighter growing.)

O strong dead-march, you please me!
O moon immense, with your silvery face you soothe me! 30
O my soldiers twain! O my veterans, passing to burial!
What I have I also give you.

The moon gives you light,
And the bugles and the drums give you music;
And my heart, O my soldiers, my veterans,
My heart gives you love. 

Walt Whitman

quarta-feira, agosto 05, 2015

Invejas


Tenho inveja de muito poucas coisas e quase de ninguém. Nunca fui abastado ( a não ser de apetites) e nunca o virei a ser. Também nunca me faltou o suficiente para viver bem. E talvez seja nessa definição de "viver bem" que deve estar a grande , a maior parte, da infelicidade dos outros que se sentem com "invejas".

É evidente que o meu "viver bem" não deve ter os mesmos limites do "viver bem" do Sr. Jorge Mendes ou de algum dos seus amigos mais influentes...

Iates, aviões privados  e propriedades de milhares de hectares rodeadas por muros altos, com cavalos de raça e tapadas de caça particulares, onde  as mais belas mulheres ( e homens! Deve haver para todos os gostos) do mundo são convidadas para passar largas temporadas?

Isso não é a minha praia, embora deva dizer ( se houver por aí alguém compatível com essas grandezas que me queira adoptar) que facilmente me adapto a novas situações e estou em crer que não me iria custar muito adaptar-me a essa...

Todavia a realidade de quase todos não é assim. Temos as nossas vidinhas, com mais ou menos cinema, com mais ou menos caldeirada, com mais ou menos dias de férias fora do ambiente natural. E a maior sabedoria que podemos exercer na vida é  saber ser feliz com o que podemos ter .

Nisso sou (passe a imodéstia) perito.  Tanto me "passo" com uns lagostins acabados de apanhar, cozidos ao momento e logo esfriados em gelo e água, como com umas petingas fritas com arroz "macho" (de tomate, para quem não sabe. O "fêmea" é o de grelos).

Há um limite para estas felicidades do pequeno burguês? Sim. Claro que há. Caso contrário a pílula do contentamento súbito não se teria inventado. E nunca existiria a  mobilidade social -  termo hoje muito utilizado como politicamente correcto, mas que, na prática, não é mais do que a "revisitação" da velha luta de classes do século XIX e XX.

Retomando a analogia gastronómica, felizes com sardinha ou lagostim, desde que ambos frescos e bem feitos. Felizes com Barca Velha de 2000 ou com  um honesto vinho do ano de Alpiarça (Lagoalva).

Não havendo nada no prato, perante um papo seco  mal barrado com Flora? Acabou-se logo ali o desejado "contentamento". Isto para não estar a falar de misérias ainda maiores e que, infelizmente, existem ao pé de nós embora haja quem sobre elas exerça uma certa miopia dedicada.

Algumas das minhas invejas mais "primárias" têm a ver com percalços da vida a que fui sujeito, como somos todos, de uma forma ou de outra.  Todos perdemos alguém que nos faz falta, e em quem pensamos todos os dias do ano.

Outras são mais complexas, são "de conjuntura":

Por exemplo, não ver no nosso país a capacidade para integrar todos os bons estudiosos , já doutorados e a caminho, em centros de investigação capazes e modernos, de forma a poderem contribuir para o progresso científico. Ou ainda, não encontrar desenvolvimento industrial sustentado que retire o anátema "País de Serviços" a esta velha nação. Ou até, observar a degradação do serviço público, em várias áreas fundamentais para garantir o bem estar dos cidadãos.

Nessas coisas não me envergonho de dizer que  tenho inveja dos Estados Unidos da América (em relação aos estudos superiores e programas de doutoramento e pós-doutorais), da Noruega e outros irmãos escandinavos...
As outras "invejazinhas" são pueris, para não dizer  birras infantis. Têm a ver com aquelas vontades momentâneas que assolam todos nós ( os MACIV's - Machos Civilizados) de ter o último MacBook Pro Retina, arvorar o IWC boutique ingenieur no pulso, ter em casa o Beamer M6 Convertible para sair ao fds.

E se me vejo afligido por alguma, o remédio (que recomendo a todos ) é logo ir ver um documentário da ACNUR ( Agência da ONU para os refugiados) para imediatamente ficar ciente das proporções.

Remédio santo!